domingo, 10 de março de 2019

Espinho, 4 de Março de 1904: Manuel Laranjeira a Luís Pinto Ribeiro

   Meu caro Luís:

Agradecido pela tua carta e pelos jornais que me enviaste. Vamos indo. A imprensa foi amável. Até o Diário Ilustrado foi bondoso. A única amabilidade que o dito jornaleco me podia fazer a ponto de lisonjear-me foi fazendo o que fez. Tu dizes que aquilo é porco. Não, meu velho! Não!!! não, mil vezes não! Aquilo o que é -- é mas é tolo. Unicamente tolo! Sabes? O Mundo espantou-me pela honestidade. O homem que escreveu a crítica do meu prólogo dramático pode ser um burro, dizer imbecilidades; mas o que ele é -- é um homem honesto., dizendo as coisas como as sente, sem preocupações de coteries. Meu filho! Dou-me por imensamente satisfeito em ter escrito um livro que, mais mágico que a lanterna de Diógenes, me fez topar na vida um homem honesto. Vale a pena ter escrito um livro por tal preço. Porque, meu Luís, mais do que o talento vale a honestidade.
Uma outra coisa para mim significativa resultou dessa récita. E foi o seguinte: ficar eu sabendo dum modo certo que em Portugal existe um público. O que nos falta é um teatro. Público ávido de coisas boas há-o; o que não há é essas coisas boas. Isto é o que ficou nitidamente demonstrado. Já não há dúvidas sobre tal. É qualquer coisa de importante saber-se isto, não achas?
Encontrei teu irmão, falei-lhe, mas ele andava tão distraído que mal me pôde responder. Disse-me que amanhã fazias anos. Parabéns e adeus.
Um abraço deste teu amigo

     Espinho, 4 de Março de 1904.
Manuel Laranjeira.

P.S. -- Se houver por aí mais algum jornal que se refira ao ...Amanhã e que tu saibas, envia-o, sim?

Teu

M. Laranjeira

Nota - Cartas de Manuel Laranjeira, Lisboa, Relógio d'Água, Lisboa, s.d, a partir da edição de 1943, de Ramiro Mourão. Amanhã, prólogo dramático, primeiro título do autor. 

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