quinta-feira, 10 de março de 2016

Paris, 25 de Agosto de 1697: José da Cunha Brochado a destinatário não-identificado



Meu Senhor.


Estimo muito as boas novas que Vossa Mercê me dá de se haver recolhido com saúde a sua casa, onde ficará logrando o descanso que por cá lhe faltava.
V. M., que sempre foi injusto venerador das Cortes estrangeiras, me diz que se acha muito só na nossa Corte; porém, nela melhor que nas outras viverá V. M., ainda que em menos concurso com menos concorrentes. A nossa comédia tem menos aparato, mas diverte a menos custo; a nossa praça terá menos passeio, mas tem menos atenções. As damas, que lá são menos expostas, são , por isso, mais dignas do privilégio com que as criou a natureza. As Tulherias, [por] que V. M. suspira tanto, não têm de grande mais que a novidade com que V. M. as via; mas é escusado persuadir este conhecimento a um fidalgo português, cujo génio foi sempre pagar-se mais do pouco, sendo-lhe singular, que do grande, sendo-lhe comum.
Veja V. M. se no meu pouco préstimo pode achar a honra de servi-lo.
Deus guarde a V. M. muitos anos.
25 de Agosto de 1697.

Das Cartas editadas por António Álvaro Dória, em 1944.


Nota -  Missiva a desconhecido, estava então Brochado em Paris, como secretário do embaixador, o 2.º Marquês de Cascais, D. Álvaro Pires de Castro. Muito reveladora da assertividade do diplomata a apreciação sobre a comédia humana em Versalhes, comparando-a com a  da corte de D. Pedro II, tentando consolar um nobre saudoso do fausto  tornado distante -- dum modo que a este não deixaria de ser lisonjeiro --, chegando a ser divertido o modo como procura menorizar a corte de Luís XIV. Fá-lo Brochado por lisonja? Provavelmente não, que ele, muito sério e competente, também não era bom de se assoar; antes por deferência devida -- e porventura sincera -- a quem lhe estava, por estado e condição, acima na pirâmide social, como era de uso na estratificação da época.

Sem comentários:

Enviar um comentário