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quinta-feira, 7 de março de 2019

4 de Janeiro de 1973: Adérito Sedas Nunes a Marcelo Caetano

4/I/73
          Exmo Senhor Prof. Doutor Marcello Caetano,
          Ilustre Presidente do Conselho

     Senhor Presidente,

Como V. Ex.ª sabe, o Prof. Francisco Moura encontra-se detido pela DGS em Caxias desde a noite de 31 de Dezembro. A este respeito permita-me V. Ex.ª que leve ao seu conhecimento o seguinte.
Desde que fui informado da detenção do Prof. Moura, procurei inteirar-me de todos os acontecimentos com ela relacionados, colhendo informações e depoimentos rigorosamente fidedignos. É-me assim possível afirmar ser totalmente infundada qualquer acusação ou suspeita de que o Prof. Moura haja sido organizador ou tenha desempenhado qualquer papel na orientação dos actos levados a cabo na capela do Rato. Aliás, o Prof. Moura esteve ausente do País nos dias que os precederam e não teve deles conhecimento até ao momento em que pessoas já preocupadas com a direcção que os mesmos estariam a seguir lhe pediram para comparecer. Chegou à capela cerca de uma hora e meia antes da intervenção policial e durante esse período limitou-se a assistir em silêncio ao que se estava passando.
Dizem-me que se suspeita de uma ligação entre a iniciativa que conduziu aos actos efectuados na capela e a deflagração de explosivos, acompanhada da difusão de panfletos, ocorrida no dia 31 de Dezembro. Gostaria, porém, de assegurar a V. Ex.ª que, conhecendo de muito perto, como V. Ex.ª sabe, o Prof. Francisco Moura, com quem tenho muito contacto, estou talvez melhor colocado que ninguém para poder considerar completamente absurdo que acerca dele se possa pôr a hipótese de ter qualquer relação  com organizações cujos meios de acção sejam dessa natureza.
De todo o modo e independentemente dos juízos que se formulam a respeito das posições que noutras circunstâncias têm sido assumidas pelo Prof. Francisco Moura, com cujas opiniões e atitudes  eu mesmo me encontra não raras vezes em discordância, estou certo de que V. Ex.ª concordará com que se trata de uma pessoa merecedora do máximo respeito. Ora, é-me doloroso ter de comunicar a V. Ex.ª que, através de informações recebidas da família, que ontem foi autorizada a visitá-lo, tenho de concluir que o Prof. Moura não tem sido efectivamente tratado com a atenção e consideração que lhe são devidas. de facto, além de dar sinais muito visíveis de cansaço físico e moral, o Prof. Moura apresentou-se no parlatório com o cabelo cortado (!) e queixando-se do frio, sono e isolamento. Das suas palavras parece inferir-se que se encontra numa cela onde não entra a luz do sol.
Queira aceitar, Senhor Presidente, com as expressões da minha mais elevada consideração, os melhores cumprimentos do

A. Sedas Nunes

Nota - Publicada por José Freire Antunes, Cartas Particulares a Marcello Caetano, vol. I, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1985. Em apreço está um momento decisivo para a sobrevivência do regime, o da Vigília da Capela do Rato, que conjuga os sectores católicos contrários à guerra colonial, sectores da esquerda armada, como a acção certamente concertada, das Brigadas Revolucionárias, e os efeitos, que no mês seguinte trará à continuidade da chamada 'Ala Liberal' no apoio a Caetano.


segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

4 de Fevereiro de 1949: José Magalhães Godinho a Marcelo Caetano

4 de Fevereiro de 1949

Exm.º Sr. Prof. Dr. Marcelo Caetano:

     Acabo de ler no Diário Popular de ontem passos de uma entrevista concedida por V. Ex.ª ao Jornal do Funchal e, entre eles, leio uma referência directa à minha pessoa. É quando V. Ex.ª, referindo-se aos socialistas portugueses, declara: «Nunca foram, em Portugal, um partido poderoso e acham-se hoje divididos em duas correntes, como na Itália; uma, a do Sr. Dr. Ramada Curto, que não quer entendimentos nem aproximações com os comunistas, e outra, a do Sr. Dr. Magalhães Godinho e outros, favorável à colaboração com o comunismo, não sei mesmo se à fusão com o Partido Comunista.» Confesso que estas declarações de V. Ex.ª me deixaram estupefacto e indignado. Como pode V. Ex.ª assegurar que eu seja dirigente socialista e que eu pense desta ou daquela maneira, se nunca comigo teve qualquer conversação de natureza política, e se nunca eu fiz quaisquer declarações de natureza partidária? Eu sou republicano e, além disso, estou de acordo com a doutrina socialista, mas não sou dirigente de nenhum partido socialista e muito menos orientador de qualquer corrente para que possa afirmar-se a existência de socialistas do Dr. Magalhães Godinho e outros, tal como se os homens que pensam de determinada forma fossem propriedade deste ou daquele homem. Não sei o que o Sr. Dr. Ramada Curto pensa, e como não sou como V. Ex.ª, não me deito a adivinhar. V. Ex.ª, não sabendo o meu pensamento, não tinha o direito de referir o meu nome, em circunstâncias, mais a mais, que até permitem pensar-se na deselegância de uma denúncia. Mais, para que V. Ex.ª não faça mais confusões, sempre lhe direi que, não sendo comunista, não posso advogar fusões com o Partido Comunista, de cujos métodos políticos me acho totalmente afastado. O que por vezes tenho dito, ainda que só em conversas com amigos, é que entendo ter todo e qualquer partido político direito de viver à clara luz do dia, dentro dos preceitos que uma lei, igual para todos eles, estabeleça quanto à sua organização e funcionamento. Entendo, até, que todos os partidos políticos deviam ser constitucionalizados, a todos se consentindo a sua vida e propaganda dentro da mais perfeita legalidade, e desde que nenhum dele enverede pela propaganda da violência e da sublevação. É nesta ordem de ideias que, também, apesar de republicano, admito, em plena república, a existência de um partido monárquico; que, apesar de democrata, admito a existência de um partido que defenda o programa da União Nacional, ou de qualquer outro organismo político que defenda outro programa ou ideologia. E digo mais a V. Ex.ª que tenho para mim como certo que, no dia em que for consentida livremente, em Portugal, a associação em partidos políticos diferenciados, o Partido Comunista deixará de ter aquela importância que só o Estado Novo lhe tem dado e deixará de poder continuar a servir de papão como até agora tem servido na propaganda dos situacionistas. Porque não sou comunista, também eu quero combater a ideologia comunista, não me interessando de nenhum modo combater as pessoas comunistas, porque só as ideias e não os homens eu julgo que merecem ser combatidas ou seguidas. Não sei se há ou não comunistas apoiando a candidatura do Sr. General Norton de Matos, sei, porque nesse sentido houve pública declaração de pessoa responsável, que a Causa Monárquica apoia o candidato da União Nacional, e nem por esse facto eu posso ou devo concluir que a União Nacional queira restaurar a monarquia em Portugal, ou queira a sua fusão com a Causa Monárquica. Aqui tem V. Ex.ª, o que entendo dever, respondendo às afirmações atribuídas a V. Ex.ª, dizer-lhe, em reacção e protesto a essas mesmas afirmações.
     Reservo-me o direito de fazer desta carta o uso que melhor entender.
     Sem mais, sou

De V. Ex.ª com a devida consideração

José Magalhães Godinho, «Correspondência em 1949 com Marcelo Caetano»
Pela Liberdade, Lisboa, Alfa, 1990.



Nota - Primeira de um conjunto de cinco cartas trocadas entre ambos (três de Godinho, duas de
Marcelo), bem revelador, não apenas do ambiente político que se vivia em 1949, estando prestes a fechar-se a abertura empreendida por Salazar na sequência da vitória dos Aliados, que permitiu a constituição do Movimento de Unidade Democrática (MUD) -- que congraçava todas as correntes oposição: republicanos, socialistas, comunistas, anarquistas, monárquicos -- e cujo canto do cisne será a malograda candidatura de Norton de Matos, sem falar nas perseguições movidas aos aderentes ao MUD, cujas listas foras desastradamente parar às mãos do estado. A sequência é muito boa. 


segunda-feira, 27 de junho de 2016

7 de Janeiro de 1946: Augusto Casimiro a Maia Alcoforado

Meu caro Camarada e Amigo:


Tenho aqui o seu cartão de boas-festas e o seu artigo Dum Natal que já vai longe.
Os seus votos retribuo-os com amigos votos, pela sua saúde, pelas Vitórias que andamos preparando, pelo Natal que já vem perto...
O que significa para a minha alma o seu artigo, por lembrar Nuno Cruz, -- adivinhá-lo-á se lhe disser que o conhecia desde Coimbra, -- foi meu soldado; e desde a Flandres, -- foi meu camarada, -- e heróico. Desde o primeiro momento, -- ia a dizer instante, -- em que o seu nobre espírito, o seu carácter admirável, as suas palavras, precedendo actos belos, se voltaram, fiéis à Pátria, para novas lutas, travadas aqui e no exílio, com igual fidalguia, até à hora de morrer.
O grande Camarada da Flandres, voltou a ser companheiro, e com que exemplar mestria, desde aquele dia (6 ou 7 de Novembro de 1926) -- em que descemos os dois a Lisboa. E com que lealdade e nobreza diante do próprio adversário!
Tive-o muitas vezes, sereno e apostólico foragido, no regaço da minha casa, acarinhado pelos meus.
Conheci-lhe, ainda melhor, o talento e o carácter; -- muitas vezes lhe disse:
-- «Se tudo isto, passando, nos deixar quatro ou cinco homens como você, -- ganharemos a Vitória do Futuro!... [»]
-- Ele pertence ao número daqueles de quem não digo, -- admiro, -- porque os amo.
E o amor é a forma superlativa da admiração.
Num livro que fecharei nas doces vésperas da minha morte Um Homem Lembra-se... -- este Nuno Cruz há-de ficar, espero, como uma das presenças mais vivas e queridas. Não era deste tempo. Aquela rija têmpera, aquela espiritual clareza, aquele amorável feitio...
O seu artigo, para lá do mérito literário com que o meu amigo exprime a sua emoção e solene civismo, -- tem para mim o valor de ser uma prece erguida diante dum altar que venero. Junto a minha à sua prece.
Nesse Natal, longe, longe, onde estava eu? Talvez em Angola, -- ou deportado em Cabo Verde, que por lá vivi de 1931 a 1935.
Felizes os que podem, do coração, puro perante a Pátria, viver a saudade de Natais assim.
Bem haja por tudo! -- pela sua generosa simpatia, pelas sua pródigas lembranças.
Lembre-me às dunas, ao vento, às ondas de Mira, -- e aos que se lembrarem por aí de mim.
De novo um grande Ano, que seja limiar de grandes e generosas tarefas.

Seu
Augusto Casimiro

S/C 7 de Janeiro de 1946

in Maia Alcoforado, Paisagem do Dia Ausente, Porto, Edições AOV, 1947
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Nota - Uma carta muito sentida de Augusto Casimiro, excelente poeta, homem de A Águia, figura marcante da vida cívica e culrural portuguesa, o segundo director da Seara Nova. Casimiro, combatente na Flandres, como o destinatário desta missiva, Maia Alcoforado, e o homem que a motivou, Nuno Cruz, camarada de armas na Grande Guerra de 14-18, e também naquilo a que ficou conhecido como o 'reviralho' -- a oposição democrática e republicana à Ditadura Militar e ao Estado Novo que ela originou.
As "Vitórias" e o "Natal que já vem perto" são o almejado fim do regime salazarista, que a Oposição perspectivava com a recente vitória dos Aliados na II Guerra Mundial -- fim, que, como sabemos, ainda levaria quase trinta anos.