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domingo, 5 de maio de 2019

Caminha, 1 de Janeiro de 1923: Luciano Pereira da Silva a Joaquim de Carvalho

Meu prezado Amigo:

Recebi a sua carta que lhe agradeço. A respeito do original do Hümmerich, não se lhe pode exigir que o mande dactilografado, pelo menos este primeiro trabalho que ele tem pronto, e está copiado pela senhora dele, com certeza com m.to boa letra para ir para a imprensa. Ele escreve sempre em letra m.to legível, e com certeza o original vem assim. Eu lerei ao compositor a primeira, ou as primeiras páginas, e como eu assistirei à composição, e reverei as primeiras provas, isso caminhará rapidamente.
Para pedir ao Dr. Hümmerich que me mande o original, espero as suas informações sobre os caracteres sânscritos.
Pergunta-me se recebi as Cartas do R. Sanches, que eu m.to lhe agradeço. Mas mandou-mas para Caminha, ou para a minha casa de Coimbra, Palácios Confusos? Se mandou para aqui não recebi. Se mandou para os Palácios Confusos, lá me entregarão o livro, q.do eu regressar a Coimbra, onde tenciono chegar no dia 6.
Os trabalhos do Hümmerich são m.to importantes e para nós m.to interessantes, por serem relativos a coisas portuguesas.
Estive agora com um professor do Liceu de Braga, natural deste concelho, amador e negociador de coisas antigas, e possuidor de livros e pergaminhos. Falou-me de uns manuscritos, que apanhou em Braga, e eu propus-lhe que lhos mandasse (sendo eu o portador, q.do puder ser), para serem publicados, se tiverem valor, sendo-lhe depois restituídos a ele. Não foi fora disso. Eu disse-lhe isto, pensando na sua projectada publicação. Quem sabe se ele terá coisa de valor, inédita, é claro! Será bom ver.
E não lhe tiro mais tempo. Disponha do que é, com especial estima,

Seu amigo certo e m.to grato

Caminha, 1.I.23

Luciano Pereira da Silva

P. S. Agora mesmo recebo da mão do carteiro, as Cartas. M.to e m.to obrigado, pelo seu presente de Ano Novo. tive de rasgar o envelope da carta, para introduzir este grato suplemento.

nota - Correspondência de Luciano Pereira da Silva para Joaquim de Carvalho, introdução e notas por José Barbosa, separata, do Bol. Bibl. Univ. Coimbra, vol. 39 - 1984, Coimbra, 1985. Matemático e historiador da náutica dos Descobrimentos, Luciano Pereira da Silva (1864-1926) faz a ponte entre Franz Hümmerich, autor, entre outros, dum estudo sobre o roteiro da viagem de Vasco da Gama, para a sua publicação na Revista da Universidade de Coimbra, dirigida por Joaquim de Carvalho. A referência bibliográfica a Ribeiro Sanches: Cartas Sobre a Educação da Mocidade (1760), publicadas no ano anterior pela Imprensa da Universidade, com edição de Maximiano de Lemos.




quinta-feira, 7 de março de 2019

4 de Janeiro de 1973: Adérito Sedas Nunes a Marcelo Caetano

4/I/73
          Exmo Senhor Prof. Doutor Marcello Caetano,
          Ilustre Presidente do Conselho

     Senhor Presidente,

Como V. Ex.ª sabe, o Prof. Francisco Moura encontra-se detido pela DGS em Caxias desde a noite de 31 de Dezembro. A este respeito permita-me V. Ex.ª que leve ao seu conhecimento o seguinte.
Desde que fui informado da detenção do Prof. Moura, procurei inteirar-me de todos os acontecimentos com ela relacionados, colhendo informações e depoimentos rigorosamente fidedignos. É-me assim possível afirmar ser totalmente infundada qualquer acusação ou suspeita de que o Prof. Moura haja sido organizador ou tenha desempenhado qualquer papel na orientação dos actos levados a cabo na capela do Rato. Aliás, o Prof. Moura esteve ausente do País nos dias que os precederam e não teve deles conhecimento até ao momento em que pessoas já preocupadas com a direcção que os mesmos estariam a seguir lhe pediram para comparecer. Chegou à capela cerca de uma hora e meia antes da intervenção policial e durante esse período limitou-se a assistir em silêncio ao que se estava passando.
Dizem-me que se suspeita de uma ligação entre a iniciativa que conduziu aos actos efectuados na capela e a deflagração de explosivos, acompanhada da difusão de panfletos, ocorrida no dia 31 de Dezembro. Gostaria, porém, de assegurar a V. Ex.ª que, conhecendo de muito perto, como V. Ex.ª sabe, o Prof. Francisco Moura, com quem tenho muito contacto, estou talvez melhor colocado que ninguém para poder considerar completamente absurdo que acerca dele se possa pôr a hipótese de ter qualquer relação  com organizações cujos meios de acção sejam dessa natureza.
De todo o modo e independentemente dos juízos que se formulam a respeito das posições que noutras circunstâncias têm sido assumidas pelo Prof. Francisco Moura, com cujas opiniões e atitudes  eu mesmo me encontra não raras vezes em discordância, estou certo de que V. Ex.ª concordará com que se trata de uma pessoa merecedora do máximo respeito. Ora, é-me doloroso ter de comunicar a V. Ex.ª que, através de informações recebidas da família, que ontem foi autorizada a visitá-lo, tenho de concluir que o Prof. Moura não tem sido efectivamente tratado com a atenção e consideração que lhe são devidas. de facto, além de dar sinais muito visíveis de cansaço físico e moral, o Prof. Moura apresentou-se no parlatório com o cabelo cortado (!) e queixando-se do frio, sono e isolamento. Das suas palavras parece inferir-se que se encontra numa cela onde não entra a luz do sol.
Queira aceitar, Senhor Presidente, com as expressões da minha mais elevada consideração, os melhores cumprimentos do

A. Sedas Nunes

Nota - Publicada por José Freire Antunes, Cartas Particulares a Marcello Caetano, vol. I, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1985. Em apreço está um momento decisivo para a sobrevivência do regime, o da Vigília da Capela do Rato, que conjuga os sectores católicos contrários à guerra colonial, sectores da esquerda armada, como a acção certamente concertada, das Brigadas Revolucionárias, e os efeitos, que no mês seguinte trará à continuidade da chamada 'Ala Liberal' no apoio a Caetano.


quarta-feira, 20 de abril de 2016

Lisboa, 3 de Abril de 1936: Viana da Mota a Fernando Lopes-Graça


Lisboa 3 de Abril 1936

Meu caro Senhor Graça

O Prado demorou imenso tempo a entrega das suas composições, depois levou ainda bastante tempo a encontrar o Sassetti, por isso só hoje lhe venho participar o que consegui do Sassetti.
Está pronto a editar as suas Variações, pelo gosto de ter nas suas edições uma obra sua, mas diz que o retraimento crescente do público não lhe dá esperança de cobrir as despesas de impressão. E que para obras vocais ainda a venda é mais resumida do que para o piano. Apesar da obrigação que incluímos no Conservatório de se apresentar uma peça portuguesa nos cursos superiores de piano e de canto a venda é limitadíssima porque os alunos emprestam uns aos outros os exemplares.
Sei que este resultado não corresponde ao seu desejo, entretanto aconselho-o a aceitar a proposta do Sassetti, pois, embora as Variações não dêem, no seu entender, o aspecto exacto da sua personalidade actual, não fica por elas mal representado, visto serem m.º características e pessoais.
Infelizmente o Sassetti não pode, atendendo às despesas de impressão e pouca probabilidade de venda suficiente, oferecer-lhe nenhuma comissão.
Diga-me para onde quer que lhe mande as peças de canto e a Cena e dança.
Com os melhores cump.os
            seu ded.º
J. VIANNA DA MOTTA

Não vi ainda a sua nota sobre os Nocturnos. Pode dizer-me em que n.º do Diabo ela saiu? M.º lho agradeceria.

in Fernando Lopes-Graça, Opúsculos (3). 



Nota - Viana da Mota (1869-1948) fora professor de Lopes-Graça (1906-1994) no Conservatório. O tema em apreço é o seu Opus 1, o extraordinário Variações Sobre um Tema Popular Português (1927). Eloquentíssima carta sobra as dificuldades da edição de partituras. Pedro do Prado (1808-1990), compositor, que com Lopes-Graça, Armando José Fernandes e Jorge Croner de Vasconcelos integrou o «Grupo dos Quatro».

quarta-feira, 30 de março de 2016

Lisboa, 10 de Fevereiro de 1926: Reinaldo Ferreira (Repórter X a Ferreira de Castro

ABC 

REVISTA PORTUGUEZA
RUA DO ALECRIM, 65
LISBOA


Lisboa 10 de Fevereiro de 1926.

Meu Caro Ferreira de Castro

sabes o que certa bela camaradagem urdiu, embora sem ousar fincar dente, porque lhes faltam os queixais da verdade -- sobre a minha viagem à Rússia. Estou ensopando uma esponja nas provas e documentos para esfregar o rosto aos mal-intencionados. Para isso falta-me o teu testemunho.
Toda a gente sabe que a polícia de Espanha é das melhores informadas do mundo. A sua espionagem muito se assemelha à de Guepeau, de Moscow. Ela seguiu esta minha viagem. Tu sabes tão bem como eu, porque tiveste uma desagradável ocasião para isso. Peço-te que por carta contes o que leste na ficha que mostraram no comissariado de Madrid.
Teu camarada que muito te estima e admira
Reinaldo Ferreira




100 Cartas a Ferreira de Castro (2.ª edição), Sintra 2006).
(editor: Ricardo António Alves)


Nota - Em 1925, a revista ABC publicava, em números sucessivos que se esgotavam e reimprimiam, uma reportagem do Repórter X à Rússia dos sovietes. Reinaldo era um repórter de mão cheia, ávido de furos de sensação. Muitos puseram em causa a veracidade desse trabalho, mas ninguém conseguiu provar que ele não esteve lá. 

Ainda hoje as opiniões se dividem. Eu, que devo ser das poucas pessoas que neste tempo a leu, inclino-me a dizer que sim, ele foi a essa Rússia, tão misteriosa quanto subversiva. Um dos
argumentos mais convincentes  é o do salvo-conduto que ele invocou ter-lhe sido dado por José Carlos Rates, então secretário-geral do PCP; e que se saiba, não foi por este desmentido. Sobre este facto, do detractores do Repórter X disseram nada.
Se apesar da verosimilhança dos depoimentos, das impressões, da iconografia, a reportagem foi uma fraude, o talento de Reinaldo Ferreira, era e foi enorme, pela cópia de informações, pelo interesse que conseguiu suscitar durante meses na opinião pública portuguesa.
Dos seus contemporâneos, Mário Domingues defendeu a veracidade da mesma, ao contrário de Roberto Nobre. Ferreira de Castro nunca se pronunciou, pelo menos directamente.
O episódio a que alude com a polícia espanhola foi o da detenção de Ferreira de Castro em Madrid, confundido com aquele, por usarem o mesmo apelido, pedindo-lhe que dê testemunho.