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quinta-feira, 12 de maio de 2016

S. Miguel de Seide, 17 de Abril de 1870: Camilo Castelo Branco a destinatário não-identificado

Ex.mo Snr.

Se vê que a minha carta não tem muito descuidos gramaticais, pode publicá-la. Não me lembro se há lá coisa que moleste o próximo; se vê que há trace. V. Ex.ª não deve ignorar que eu acato o próximo e só por descuido lhe tenho assacado aleives que me trazem assaz penitenciado.
Agradeço-lhe a estimação que dá ao futilíssimo livro dos Brilhantes do Brasileiro. Parece-me que só tem uma dúzia de paginas sofríeis, são as últimas que me saíram da alma com lágrimas. As outras são pura chalaça -- o espírito português, único a meu ver, que pode sair das nossas oficinas de caricaturista.
A nossa sociedade não dá para mais. Se tirarem a Portugal, o brasileiro e ao Jardim das Plantas, de Paris, os ursos, não há aí que ver. (Esta carta faça-me o favor de a não publicar. Isto entre nós é maledicência muito à puridade).
Dê-me as suas ordens.
De V. Ex.ª
adm.or afectivo e ob.do

Camilo Castelo Branco
S. M. de Seide, 17 de Abril 70.






Publicada por António Cabral, camiliano e queirosiano de mérito (pertence-lhe a primeira biografia de Eça de Queirós publicada em Portugal, datada de 1916), em Homens e Episódios Inolvidáveis (1947).

Nota -  Carta cujo destinatário não está identificado, muito divertida, pelos conceitos de autoapreciação de Camilo e pela forma desprendida com que se refere à narrativa publicada no ano anterior.

quinta-feira, 10 de março de 2016

Paris, 25 de Agosto de 1697: José da Cunha Brochado a destinatário não-identificado



Meu Senhor.


Estimo muito as boas novas que Vossa Mercê me dá de se haver recolhido com saúde a sua casa, onde ficará logrando o descanso que por cá lhe faltava.
V. M., que sempre foi injusto venerador das Cortes estrangeiras, me diz que se acha muito só na nossa Corte; porém, nela melhor que nas outras viverá V. M., ainda que em menos concurso com menos concorrentes. A nossa comédia tem menos aparato, mas diverte a menos custo; a nossa praça terá menos passeio, mas tem menos atenções. As damas, que lá são menos expostas, são , por isso, mais dignas do privilégio com que as criou a natureza. As Tulherias, [por] que V. M. suspira tanto, não têm de grande mais que a novidade com que V. M. as via; mas é escusado persuadir este conhecimento a um fidalgo português, cujo génio foi sempre pagar-se mais do pouco, sendo-lhe singular, que do grande, sendo-lhe comum.
Veja V. M. se no meu pouco préstimo pode achar a honra de servi-lo.
Deus guarde a V. M. muitos anos.
25 de Agosto de 1697.

Das Cartas editadas por António Álvaro Dória, em 1944.


Nota -  Missiva a desconhecido, estava então Brochado em Paris, como secretário do embaixador, o 2.º Marquês de Cascais, D. Álvaro Pires de Castro. Muito reveladora da assertividade do diplomata a apreciação sobre a comédia humana em Versalhes, comparando-a com a  da corte de D. Pedro II, tentando consolar um nobre saudoso do fausto  tornado distante -- dum modo que a este não deixaria de ser lisonjeiro --, chegando a ser divertido o modo como procura menorizar a corte de Luís XIV. Fá-lo Brochado por lisonja? Provavelmente não, que ele, muito sério e competente, também não era bom de se assoar; antes por deferência devida -- e porventura sincera -- a quem lhe estava, por estado e condição, acima na pirâmide social, como era de uso na estratificação da época.