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quinta-feira, 11 de abril de 2019

29 de Maio de 1930: H. Lopes de Mendonça a Ferreira de Castro

Meu Ex.mo e prezado Camarada

Li com imenso interesse o romance A Selva, com que teve a gentileza de me brindar. Confirmaram-se e melhoraram ainda as belas impressões que me tinha deixado Os [sic] Emigrantes. Procuro fugir ao tom pedantesco para francamente, sem ares de pedagogo que seriam descabidos, lhe manifestar o meu sentimento de viva admiração. Sem sombra de lisonja, afirmo a V. Ex.ª que através da sua visão de português vejo melhor o interior do Brasil do que na retina dos escritores brasileiros. Podia atribuir-se isto à afinidade que existe entre as visões de dois europeus. Mas, seja como for, é necessária uma grande energia no descritivo e uma intensidade grande de colorido, para que os quadros se me apresentem tão cheios de vida cinematográfica. Creia V. Ex.ª que é com sincera efusão que o cumprimento e o felicito.
Faltaria a um dever de consciência para com um artista do seu alto valor, se muito de relance não indicasse o principal senão que se me deparou no seu livro. A acção romântica pareceu-me desconexa um pouco, e até às vezes obscura em consequência de certas falhas de narrativa. Este senão é contudo sobejamente resgatado pelas eminentes qualidades que tive o grande prazer de apontar.
Há meses -- não sei se lhe constou -- saí com o peso dos meus 70 e tantos ao escritório da rua do Carmo para ter o prazer, ainda inédito, de apertar a mão que tão belos livros escreve. Senti não o ter conseguido. E agora maior pesar tenho de ainda de não se me deparar ensejo de manifestar verbalmente a V. Ex.ª a minha admiração e a minha simpatia literária, e de desenvolver algumas considerações que a leitura dos seus livros me sugere.
Não o podendo fazer, sirvo-me deste meio para reiterar as minhas felicitações e os meus agradecimentos, subscrevendo-me, com a maior consideração e estima.

De V. Ex.ª
Adm.or e cam.ª obg.mo

H. Lopes de Mendonça

S/C
29-V-30

nota -- Publicado por Ricardo António Alves, Cartas Inéditas a Ferreira de Castro, Sintra, Vária Escrita #1, Câmara municipal, 1994. Lopes de Mendonça (1856-1931), autor dos versos de A Portuguesa, além de erudito historiógrafo da náutica dos Descobrimentos, era um exigentíssimo estilista. A sanção de uma figura deste peso já histórico -- concorrera com Eça de Queirós a um mesmo concurso promovido pela Real Academia das Ciências, tendo o seu Duque de Viseu logrado alcançar o discutido favor do júri em detrimento de A Relíquia --, constituiria para o jovem literato que se fez a si próprio uma distinção de modo algum desprezável. Vinha já longe o tempo das ousadias alardeadas pelo Mas...(1921).


sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Olhão, 18 de Junho de 1925: Roberto Nobre a Ferreira de Castro

Olhão 18/6/925

Meu Caro Ferreira de Castro

    
Uma gripe infligiu-me três dias de cama, e uma semana de má disposição para o trabalho -- e além de tudo uma magreza e uma fraqueza tal de ter tonturas. Vou arribando. Isto explica a bem pouco comum em mim tardança no envio dos desenhos.
     Na série de «Epopeia» vou entremeando «trabalhos» intelectuais com «trabalhos» físicos. O próximo será ou «escritores» ou os «pintores». No A.B.C. trocaram os desenhos. Gostaria que Mário Domingues soubesse disto e não atribuísse a mim desenhos quase inexplicáveis. «Na mais fabulosa riqueza» veio o que pertencia ao conto anterior e neste o que pertencia àquele. Será porque o nosso amigo Beno[l]iel está sendo operado?
Tenho uma excelente notícia a dar-lhe. É muito provável que que brevemente me terão aí vivendo dos desenhos. O Bernardo Marques, excelente amigo e a camarada, acaba-me de convidar para com ele trabalhar para a Companhia do Estoril. Não sei ainda quanto ganharei mas creio conseguir, com esse ordenado e com o que poderei trabalhar para fora conseguir manter-me até que (passada que for a tremendíssima crise económica que por aqui grassa) eu consiga montar com capital suficiente a Companhia de cinema que tenho em organização e cujas experiências têm dado excelentes resultados.
     Como V. calcula isto é extraordinária alegria para mim, saudoso que estou sempre da nossa excelente camaradagem de há dois anos.
     Meu pai deve chegar aí esta noite e dir-me-á o que resultou da sua entrevista com o Marques. Não sei ainda o que combinaram o que creio é que o resultado deverá ser a minha ida. V. que é homem que anda a corrente destas coisas é capaz de me mandar dizer quanto necessitarei para viver aí? Necessito saber isso por causa dos meus cálculos. Sinto os nervos necessitados de uns meses de luta, de trabalho.
     Um grande abraço para distribuir pelos nossos amigos da «Hora Novelesca» e
                                                                        Um outro para si do seu adm.or e amig.º
                                                                                                                              
                                                                                                                    Roberto Nobre



100 Cartas a Ferreira de Castro, Sintra, Câmara Municipal / Museu Ferreira de Castro, 1992

(edição: Ricardo António Alves)

Nota - Aos 22 anos, Roberto Nobre alimentava ainda os sonhos de realização artística através do recurso exclusivo aos seus maiores interesses: o cinema e a pintura e o desenho. Quanto à 7.ª Arte, realizava por esta altura uma curta-metragem paródica do seu ídolo, Chaplin: «Charlotim & Clarinha», assim intitulado, hoje guardado nos arquivos da Cinemateca; viria a ser o maior crítico de cinema do seu tempo, Horizontes de Cinema (1938) é um clássico). Quanto à pintura, desenhos, cartazes, moda, publicidade, forçado a subsistir, anarquista e opositor (foi dos poucos a recusar o convite de António Ferro para colaborar na Exposição do Mundo Português), enterra-se na Singer, onde coordena  o gabinete de marketing (os reclames...).

domingo, 5 de novembro de 2017

1972: Ferreira de Castro ao director do «Notícias de Chaves»


Senhor Director:

     Chamaram a minha atenção para um artigo publicado no «Notícias de Chaves», onde Aquilino Ribeiro e eu somos acusados de termos agredido, em romances nossos, o concelho de Montalegre.
     Creio que se trata de dois fortes equívocos. Que eu saiba, o grande Aquilino nunca escreveu livro algum sobre aquela região e, no meu romance «Terra Fria», pratiquei um acto de solidariedade humana com o povo de Barroso, então completamente abandonado ao seu destino. Uma solidariedade que me exigiu alguns sacrifícios, diga-se sobriamente de passagem.
     E assim me parece que só quem não souber ler ou não souber compreender a intencionalidade do que lê poderá tomar como agressão uma obra de profundo amor pelo nosso semelhante.
     Como este não é o caso do articulista*, penso que as suas palavras são consequência duma leitura apressada. De todas as maneiras, considero-as injustas e se ele tiver ainda alguma dúvida, que leia o prefácio da edição especial da «Terra Fria», publicada em 1966.
     Julgo, aliás, e outras pessoas julgam também, inclusive categorizados transmontanos,, que o meu romance, sobretudo por haver sido publicado com ilustrações em rodapés de «O Século», antes de sair em livros, contribuiu para algum progresso que se tenha dado desde essa época, numa terra de tão belos aspectos e num povo boníssimo, que bem mereciam melhor sorte e que os detentores do poder pareciam ignorar inteiramente.
     Com antecipados agradecimentos pela publicação desta carta, envio-lhe, sr. director, as minhas saudações corsiais.

Ferreira de Castro 





in Barroso da Fonte, Diálogo com Ferreira de Castro -- A Propósito do Romance Terra Fria, Braga, Editora Pax, 1973.

Nota - Parece que causou controvérsia a questão do adultério da protagonista de Terra Fria (1934) na então longínqua Padornelos. Ao contrário do que pode parecer, a paciência de Castro foi infinita, em face dos pundonores (provincianos) desgravados.

terça-feira, 5 de julho de 2016

Lisboa, 26 de Abril de 1929: Ferreira de Castro a Jaime Franco



Meu ilustre camarada.


Muito e muito obrigado pela sua carta. É a primeira voz amiga que o Brasil me fez ouvir, depois da publicação dos meus «Emigrantes». Confesso que me magoou o que certos jornais daí escreveram sobre o meu livro, que pode não ter relevo literário, mas que é honesto e realizado à margem de sentimentos mesquinhos ou estreitos. E magooei-me, sobretudo, porque me atacaram sem ler o livro, excepto a «Notícia», do Rio, que, para encontrar matéria condenável... teve de falsificar os textos! Os outros periódicos, guiando-se pela «Notícia», tomaram a nuvem por Juno e vá de me acusarem sem terem visto o corpo de delito. A um deles -- «A Gazeta», de São Paulo -- ainda escrevi uma carta pondo as coisas nos seu lugar. Não sei se a publicou, se não. O que sei é que, tempos depois, mostraram-me um exemplar desse periódico, onde reincidia na acusação. Vi que estava de má fé e renunciei a escrever aos outros jornais que me atacavam. Por isso mesmo, a sua carta fraternal sensibilizou-me imenso. Se eu não fosse internacionalista, se eu tivesse preconceitos de raças, se eu não amasse o Brasil como a melhor recordação da minha adolescência, não me importunariam as calúnias que me atribuíram. Mas assim, não. Desgosta-me, sobretudo, a ideia de que as pessoas que aí me conheceram com sentimentos de fraternidade universal, possam supor que, dum instante para o outro, me tornei jacobino, patriota, adepto de todos os gestos comuns... Eu bato-me pela Humanidade, quer seja branca, preta ou amarela, europeia ou americana, asiática ou africana. Eu sou pelos humildes contra os poderosos, pelos explorados contra os exploradores, quer estes sejam portugueses ou brasileiros, espanhóis ou chineses. Para mim há uma questão social, não há uma questão de raças. Veja o meu ilustre camarada como o «Zé do Aido» que foi para os Estados Unidos, põe este país em pé de igualdade com o Brasil, onde esteve o «Manuel da Bouça». Porque descrevo o Brasil? Porque é o país americano que melhor conheço. E não revelo eu as manhas dos portugueses que traficam com a emigração? O que é o Nunes, agente de passagens e passaportes? Contudo, essas más interpretações deixam sempre alguma coisa desagradável no nosso espírito. Agora mesmo hesito em escrever sobre a selva amazonenese, onde estive cerca de quatro anos, e que tinha planeado há muito. Era a epopeia desse heróico e ingénuo cearense, a quem se deve o desbravamento da selva virgem, que, todavia, é lá explorado e escravizado por uns senhores que vivem nababescamente do trabalho desse sertanejo humilde. Mas encontro-me indeciso em realizar a obra, não vão supor os brasileiros que eu quero ferir-lhes o patriotismo. E mesmo que venha a escrever esse romance, já não estarei à vontade. E é lamentável que isto suceda, devido às más interpretações que alguns jornais do Brasil deram ao meu livro, sem o lerem! Por isso repito, você, que é uma excepção, comoveu-me enormemente. A última vez que estive em Santos, foi em 1919 e é natural, portanto, que me tenha esquecido de alguns pormenores. E se a paisagem do porto de Santos «desiludiu» os imigrantes, é porque a da Guanabara é mais imponente e teatral. Mas lá estão o meu entusiasmo e os meus fortes e quentes adjectivos para os panoramas que se vislumbram da Serra e do Mar, a compensar o seu justo bairrismo. E creia que tenho saudades daí, sobretudo das praias José Menino e Guarujá...


(a) Ferreira de Castro -- Lisboa, abril, 26, de 1929.


In Jaime Franco, Gente Lusa, Instituto D. Escolástica Rosa, Santos, 1945.


Nota - Carta muito significativa de Ferreira de Castro, na sequência dos ataques que os sectores nativistas brasileiros haviam desferido contra Emigrantes, romance publicado no ano anterior. Ataques, apesar de tudo, de menor dimensão do que os que sofreria A Selva (1930), por parte do "verdeamarelismo cretino", assim classificados por José Lins do Rego, um muito jovem escritor que, com Jorge Amado, Jorge de Lima e outros viriam à liça, em alguns casos de forma muito contundente, verberar o nacionalismo pateta dos plumitivos de serviço.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Rio de Janeiro, 10 de Setembro de 1934: Jorge Amado a Ferreira de Castro

Rio de Janeiro, 10 de Setembro de 1934.


Meu caro Ferreira de Castro.

Acabo de voltar ao Rio e encontrei na Ariel a sua última carta. Agradeço os seus conceitos sobre Cacau Suor.
Venho de passar quatro meses na Baía, recolhendo um resto de material para um romance sobre negros. Chamar-se-á Jubiabá, nome de um macumbeiro de lá e espero fazer um livro forte, fixando nas duas primeiras partes -- Baía de Todos os Santos e --Grande Circo Internacional -- todo o pitoresco do negro baiano -- música, religião, candomblé e macumba, farras, canções, conceitos, carnaval místico -- e toda a paradoxal alma do negro -- raça liberta, raça das grandes gargalhadas, das grandes mentiras e raça ainda escrava do branco, fiel como cão, trazendo nas costas e na alma as marcas do chicote do Sinhó Branco. A terceira parte --A greve -- será a visão da libertação integral do negro pela sua proletarização integral. Que acha v. do plano?
Lhe envio um Boletim de Ariel onde falo em V. Aliás a nota está besta. Mas vale a intenção. V. recebeu meu artigo sobre Terra Fria? Acuse o recebimento.
Mande dizer o que v. está fazendo. Qual o livro que o preocupa no momento? V. tem um grande público aqui no Brasil. Aliás porque v. não envia pro Ariel uma nota sobre a nova literatura de Portugal? Aqui há um certo movimento intelectual que está fazendo alguma coisa. O público nos apoia intensamente. Compra nossos livros. A crítica, é natural, se divide em descomposturas e elogios. Mande o artigo. Porque v. não aparece aqui de novo? Pelo que depreendo dos seus livros v. esteve por aqui em 24. Gostaria de ser seu cicerone numa viagem longa através do Brasil. Vendo as casas coloniais da Baía. Material que em suas mãos daria romances como A Selva.
Me escreva. Agora não saio do Rio tão cedo. O Lins do Rego está em Maceió onde reside. Mandei em carta suas lembranças para ele.
Abrace o seu amigo e admirador
Jorge Amado
Boletim de Ariel
R. Senador Dantas -- 40 -- 5.º
Rio.








Publicada por Ricardo António Alves, Anarquismo e Neo-Realismo -- Ferreira de Castro nas Encruzilhadas do Século (2002) e na 2.ª edição, refundida, de 100 Cartas a Ferreira de Castro (2006).

Nota - Grande documento, não apenas pela evidência do programa literário de Jorge Amado, como pelo que revela da influência que Ferreira de Castro tinha junto dos jovens escritores nordestinos brasileiros, cuja repercussão na geração neo-realista portuguesa é consabida. Castro e Amado começaram a
corresponder-se neste anos de 1934, mas só travariam conhecimento pessoal em 1948, em Paris, quando o autor brasileiro, então um activo militante comunista. teve de exilar-se. Essa amizade manteve-se e fortaleceu-se ao longo das décadas, tendo, por várias vezes e em diversas situações Jorge Amado evocado Ferreira de Castro, comovidamente. Das evidências dessa forte relação, basta lembrar que o o autor de A Selva é o autor português mais referido em Navegação de Cabotagem, as memórias de Jorge Amado.
Ferreira de Castro viria a ser um dos dedicatários de Jubiabá (1935), um dos romances mais marcantes de Amado.

quarta-feira, 30 de março de 2016

Lisboa, 10 de Fevereiro de 1926: Reinaldo Ferreira (Repórter X a Ferreira de Castro

ABC 

REVISTA PORTUGUEZA
RUA DO ALECRIM, 65
LISBOA


Lisboa 10 de Fevereiro de 1926.

Meu Caro Ferreira de Castro

sabes o que certa bela camaradagem urdiu, embora sem ousar fincar dente, porque lhes faltam os queixais da verdade -- sobre a minha viagem à Rússia. Estou ensopando uma esponja nas provas e documentos para esfregar o rosto aos mal-intencionados. Para isso falta-me o teu testemunho.
Toda a gente sabe que a polícia de Espanha é das melhores informadas do mundo. A sua espionagem muito se assemelha à de Guepeau, de Moscow. Ela seguiu esta minha viagem. Tu sabes tão bem como eu, porque tiveste uma desagradável ocasião para isso. Peço-te que por carta contes o que leste na ficha que mostraram no comissariado de Madrid.
Teu camarada que muito te estima e admira
Reinaldo Ferreira




100 Cartas a Ferreira de Castro (2.ª edição), Sintra 2006).
(editor: Ricardo António Alves)


Nota - Em 1925, a revista ABC publicava, em números sucessivos que se esgotavam e reimprimiam, uma reportagem do Repórter X à Rússia dos sovietes. Reinaldo era um repórter de mão cheia, ávido de furos de sensação. Muitos puseram em causa a veracidade desse trabalho, mas ninguém conseguiu provar que ele não esteve lá. 

Ainda hoje as opiniões se dividem. Eu, que devo ser das poucas pessoas que neste tempo a leu, inclino-me a dizer que sim, ele foi a essa Rússia, tão misteriosa quanto subversiva. Um dos
argumentos mais convincentes  é o do salvo-conduto que ele invocou ter-lhe sido dado por José Carlos Rates, então secretário-geral do PCP; e que se saiba, não foi por este desmentido. Sobre este facto, do detractores do Repórter X disseram nada.
Se apesar da verosimilhança dos depoimentos, das impressões, da iconografia, a reportagem foi uma fraude, o talento de Reinaldo Ferreira, era e foi enorme, pela cópia de informações, pelo interesse que conseguiu suscitar durante meses na opinião pública portuguesa.
Dos seus contemporâneos, Mário Domingues defendeu a veracidade da mesma, ao contrário de Roberto Nobre. Ferreira de Castro nunca se pronunciou, pelo menos directamente.
O episódio a que alude com a polícia espanhola foi o da detenção de Ferreira de Castro em Madrid, confundido com aquele, por usarem o mesmo apelido, pedindo-lhe que dê testemunho.

sábado, 5 de março de 2016

Nespereira, Guimarães, 28 de Março de 1922: Raul Brandão a Ferreira de Castro

Exmo Senhor Ferreira de Castro



Muito obrigado pelo artigo que escreveu a meu respeito no último número da «A Hora» -- que tenho lido sempre com grande interesse, como leio tudo que é apaixonado e sincero.
São raras efectivamente as pessoas que em Portugal estimam os meus livros, mas essas bastam-me, quando compreendem não o que vale a minha obra necessariamente imperfeita, mas o esforço que faço para arrancar alguns farrapos ao Sonho...
Creia-me sempre
ador e cam.da muito og.º [?]


Raul Brandão
Nespereira
Guimarães
28 de Março de 1922





100 Cartas a Ferreira de Castro (1992, 2.ª ed. 2006).
(editor: Ricardo António Alves)


Nota - Não se conheciam, mas os 11 anos seguintes foram de frequente convívio e admiração.
Foi o escritor português que mais impressionou Ferreira de Castro, é a sua grande referência lusa, como bem viu, antes de todos, Jorge de Sena.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Lisboa, 19 de Setembro de 1922: Ferreira de Castro a Roberto Nobre




Roberto Nobre, meu prezado amigo

     Recebi a sua carta, carta amável, generosa.
     Como já o Assis lhe disse, gostei mtº, mtº, da capa. É um trabalho feito com garra: -- mesmo sem alusão às garras do tigre...
     E porque falei na capa, agradeço-lhe a oferta: -- oferta que eu desejo seja apenas uma moratória aos problemáticos fundos da empresa...     
Se você num momento de melancolia tiver desejo de escrever, escreva-me sobre o Algarve, as suas praias, os seus caminhos. Eu amo tanto a província que vivo nela por imaginação, vivo-a por impressões alheias, quando, como agora, não a posso viver por impressões próprias.
     Telefonei neste momento ao Assis, para saber se ele desejava transmitir-lhe qualquer coisa. Tinha ido almoçar. Paciência. Sei, porém, que brevemente ele lhe enviará ou as provas ou o original da novela. Sei, também, que ele, como eu, está-lhe grato por suas gentilezas.
     Abrace, Rob.º Nobre, o seu amigo dedicado

JM Ferr de Castro

Lisboa 19/9/922

P.S. Propositadamente deixo para o Post Scriptum o assunto do Lab.º Ainda não foi possível arrecadar-lhe aquelesmíseros 50$00. Eu não me descuido. Não é por si: -- é por mim... Abraços do Frias. JMF
Bis-P.S. -- Se você vir o Dias Sancho diga-lhe que [com] respeito à matéria da sua última carta estamos quase  de acordo. Que a carta era mtº interessante.
Abusando dos pedidos, o Frias diz-me aqui ao lado, que você deve puxar as orelhas ao Lyster, filho, porque até hoje ele ainda não lhe escreveu. Isto se você o encontrar, é lógico...
JMF


Ferreira de Castro / Roberto Nobre, Correspondência (1922-1969), Lisboa, Editorial Notícias e Câmara Municipal de Sintra, 1994
editor: Ricardo António Alves

Nota - O início duma amizade, grande e longa, e a manifestação do estro paisagista, que em Ferreira de Castro era agudo, como se lê nos seus livros. Castro com 24 anos, Nobre 19, ambos sem vintém, mas o segundo ainda no aconchego familiar. O tema é a capa de Carne Faminta, noveleta a sair -- a primeira de muitas capas da autoria do jovem artista --, e O Rebanho, de Assis Esperança, idem.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Lisboa, 30 de Novembro de 1936: Alexandre Cabral a Ferreira de Castro

José dos Santos Cabral
Pseudónimo literário
(Z. Larbak)
R. do Machadinho, 3-2.º
LISBOA


Lisboa, 30 de Novembro de 1936

Exmº. Sr. Ferreira de Castro
Lisboa

     Junto a esta envio a V. Ex.ª um exemplar de "Ecos do Alcôa", onde abri uma secção "Perfis Literários", focando nela o primórdio valor da nossa literatura contemporânea: "Ferreira de Castro, o egrégio romancista."      
     Não tem esta por fim dirigir a V. Ex.ª palavras aduladoras que o v/ espírito consistente e desempoeirado rejeita, nem tão-pouco patentear-lhe novamente a minha admiração pelo vosso talento, que no citado artiguelho em tosca prosa prolixa ficou bem impressa.
     Algumas palavras quis escrever a acompanhar o exemplar junto, palavras dum jovem que tem tentado, proveitosamente, por todos os meios a cultura do seu espírito.
     E elas aí ficam encimando os protestos reiterados de amouco fervoroso pelo seu ídolo dilecto [.]
     Desejando a V. Ex.ª
Fraternidade & Literatura

Sou a subscrever-me

J. Santos Cabral

Cartas de Alexandre Cabral para Ferreira de Castro, separata de Vária Escrita #6, Sintra, Câmara Municipal, 1999.
editor: Ricardo António Alves

Nota - Um Alexandre Cabral de dezanove, enviando um artigo de fervor juvenil ao seu ídolo literário e novo correspondente. Cabral viria a ser não só o camiliano que todos reconhecem, como um castriano digno de nota, inclusive um dos seus executores testamentários.

terça-feira, 12 de março de 2013

20 de Junho de 1924: Jaime Brasil a Ferreira de Castro e Eduardo Frias

Meus caros Ferreira de Castro e Eduardo Frias:

Recebi o vosso livro. Muito obrigado por vos terdes lembrado de mim. A mim, q. tão afastado ando dos cenáculos literários e q. nas galés do jornalismo sou o último dos últimos, sensibilizou-me a vossa gentil manifestação de camaradagem espiritual. E porque entendo bem o altivo grito de angústia, erguido nas primeiras páginas do livro, aqui vos dou, irmãmente, o abraço q. traduz a minha admiração pelo vosso talento e a minha solidariedade nessa nobre revolta, contra o existente, o convencional, o medíocre.

cordialmente vosso
Jaime Brasil
6ª. Feira-20-Junho [1924]»



Cartas a Ferreira de Castro, Sintra, Câmara Municipal e Rede Portuguesa de Museus, 2006.
editor: Ricardo António Alves


Nota - Agradecendo A Boca da Esfinge, romance a quatro mãos, num tom muito característico. mesclado de camaradagem leal e amarga misantropia.