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quinta-feira, 13 de junho de 2019

Sintra, 2 de Agosto de 1983: Francisco Costa a João Bigotte Chorão

Sintra, 2 de Agosto de 1983.

Meu caro João Bigotte Chorão,

Recebi o seu ensaio sobre "a literatura portuguesa nos próximos 25 anos", e li-o com uma surpresa correspondente à perplexidade que o esfíngico tema lhe causou, quando lhe foi proposto. Sinto nessas páginas um localismo pessimista, impróprio de si, que me fez lembrar os anos 40/50, quando, a propósito dos meus romances, os críticos episódicos (permanente, havia apenas um e era o menos desdenhoso) repisavam o tema do mísero epigonismo dos autores contemporâneos. Nessa altura, abstive-me de replicar: medice, cura te ipsum, aos que também eram autores, mas aludia algures, se bem me lembro, ao "acendrado patriotismo" daqueles que só ficariam satisfeitos se os portugueses fossem pioneiros em tudo: nos caminhos literários como outrora nos caminhos marítimos.
Claro que havia excepções isoladas, entre as quais se distinguiam o António Quadros, o Luís Trigueiros, o Amândio César; mas os críticos mais persistentes, adversários da autocracia reinante, vingavam-se indirectamente nos autores não subversivos, pisando-os como degraus inferiores, a fim de eles próprios parecerem mais altos, aos olhos do público, sempre crédulo. Hoje suponho que se faz o contrário: aumenta-se artificialmente a estatura dos autores afectos à ideologia dominante; e quanto aos desafectos, nega-se-lhes, pura e simplesmente, a existência literária, presente ou passada.

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Mas voltemos ao que é sério. Sei muito bem, querido amigo, que a Província é que alimenta os nossos tradicionais centros de cultura, em Coimbra e Lisboa. Eu próprio, na esteira do "pobre homem de Póvoa do Varzim", me intitulo "pobre homem da serra de Sintra"; mas o facto de esta ser "uma quinta com porta para o Chiado", como dizia o Eça, é segundo parece o que me torna um citadino incapaz de trabalhar a bem da língua portuguesa. Sim: a julgarmos por estas suas páginas, só Tomás de Figueiredo e João de Araújo Correia foram, em rigor, notáveis obreiros do nosso idioma na primeira metade deste século, pois só eles são a tal ponto camilianos que há trechos deles -- transcritos no seu CAMILO, A OBRA E O HOMEM -- que parecem mesmo escritos pelo autor de A BRASILEIRA DE PRAZINS; além desses dois cultores do vernáculo, o seu texto refere apenas, de relance, alguns grandes nomes que pareceria mal omitir. Quanto a este seu amigo, a omissão compreende-se, pois sempre considerei a língua, com toda a sua riqueza conceptual e metafórica, simples matéria instrumental daquilo que mais interessa: a forma, sensível e inteligível, de obra literária.
É evidente que se as raízes da nossa cultura se encontrassem, quanto ao século XIX, somente no fecundíssimo escritor de S. Miguel de Ceide (que por si só constitui uma secção da Biblioteca Municipal de Sintra), os dois obreiros, agora elogiados, seriam de facto os mais notáveis. Nesse caso, porém, a geração de 1870, antinacional nos temas e atitudes, teria sido também perniciosa ao depurar a nossa língua literária, banindo os arcaísmos e modismos obsoletos, rebuscados e divulgados pelo autor de MEMÓRIAS DO CÁRCERE.
Ao queixar-se de que Eça de Queirós e os seus amigos "implicavam" com ele, sempre que isso vinha a "talho de foice", Camilo provocou a célebre carta que o autor de O PRIMO BASÍLIO escreveu ao autor de O ESQUELETO, texto que, bem relido e meditado, muito útil seria a quem defende o nosso idioma somente no plano da filologia e da linguística. se essa carta, naquela altura, não chegou ao destinatário, foi talvez porque este brandiria logo o formidável cacete minhoto contra o frágil florete citadino do seu jovem rival, e a polémica alastraria imediatamente em rixa, na feira das letras: à paulada e sem proveito para ninguém. Felizmente, o português depurado foi o que vingou, no final do século XIX, e hoje o "camilismo idiomático (não o escritor Camilo, evidentemente) é raridade museográfica para colecionadores e eruditos apenas.

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Alargando o tema do epigonismo literário, duvido muito de que esse conceito se aplique somente a autores portugueses; melhor: creio que o epigonismo é inevitável no mundo das letras e das artes, estando longe de ser um defeito. Já no começo deste século o anglo-americano T. S. Eliot o defendia ao advertir que o talento individual não pode nem deve renegar a tradição, seja nacional seja internacional. Desde esse ensaio, que ficou célebre, acusar de epigonismo os inúmeros continuadores de Jane Austen e Balzac, pioneiros do "roman anti-romanesque", tão apropriadamente definido por Taine, na sua HISTOIRE DE LA LITTÉRATURE ANGLAISEAo que parece, só a crítica portuguesa descobriu neste país um epigonismo congénito, muito embora o próprio Camilo, ao dizer-se um dia humilde discípulo de Balzac, se atribuísse desse modo uma qualidade e não um defeito. Não sei, aliás, se o grande escritor sabia ver-se como era, no plano da novelística; e só estranho que em Portugal, a propósito dele e de Eça de Queirós, ainda não se tenha estudado a fundo o que distingue narradores e ficcionistas. O tema, abordado por Paulo Dantas, no Brasil, a propósito de José Lins do Rego, mereceria bem ser aprofundado a nível universitário, pois -- insisto -- não é na prática da língua, matéria instrumental da obra literária, mas sim no tratamento da forma, constituída pelas personagens e suas circunstâncias, que as duas famílias de escritores se distinguem, cabendo a designação de ficcionistas aos que se empenham sobretudo em criar pessoas fictícias (são, afinal, "poetas fingidores", diria aqui o Fernando Pessoa) e a designação de narradores, aos que preferem alargar-se na descrição das circunstâncias e ambientes sociais. Em nossos dias, não será isso, precisamente, o que distingue um Paço d'Arcos de um Ferreira de Castro, e -- vamos lá -- um Francisco Costa de uma Agustina Bessa Luís?

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Muito mais justo do que os críticos dos anos 40/50, o João Bigotte Chorão observa que a literatura portuguesa só é epigonal na medida em que, "não assumindo a nossa identidade, copia figurinos estranhos ao nosso corpo": os galicismos e modismos realistas de Eça de Queirós são o exemplo mais ilustre desse defeito. Mas, amigo, nós portugueses, para além do corpo nacional, temos alma universal; e é por isso que o Eça, inferior ao Camilo quanto à extensão e portuguesismo do vocabulário, vale mais do quele na criação de personagens, fazendo o estudo psicológico delas, não em colóquio com o leitor, mas por meio da acção e das falas: no estilo próprio dos falantes e não nos estilo próprio do escritor, como fazia o autor de AMOR DE PERDIÇÃO, cujos heróis e heroínas falavam todos em português camiliano. Concordo plenamente consigo, quando nos diz achar monótono "o inventário notarial do passado", e ver "na vocação necrófila uma das taras da nossa cultura", mas precisamente porque ama a cultura "como qualquer coisa de vivo e vital", não o sinto à vontade entre os futurologistas (ou apenas futuristas), mais ou menos afectado por aquela "baixa preocupação de actualidade" que Fidelino de Figueiredo já denunciava em 1925, na mesma linha do tão citado ensaio de T. S. Eliot, que é de 1917 -- ano que foi, em Portugal, o da insurreição literária do ORPHEU e da contra-revolução política de Sidónio Pais, precursor do salazarismo subsequente. E também não terá sido por acaso que ambos esses movimentos de 1917 se inseriram, logo de início, na acção do meu primeiro tríptico de romances.
Quando o P. Manuel Antunes, a propósito do meu caso e de outros contemporâneos, tentou "elevar-se a cima do momento e do local", apreciando os autores recentes em perspectiva intemporal, os críticos de então -- os tais que se empoleiravam sobre os autores, para não parecerem anões -- troçaram a tal ponto dessa tentativa, que até ele passou a ferir a tecla do epigonismo nacional, acentuando o queirozismo ou camilismo dos romancistas actuais... falhos de actualidade internacional. Abriu então uma tímida excepção para o "brotar fontal"  de Agustina Bessa Luís, enquanto João Gaspar Simões, aludindo aos "aracnídeos romances" da autora minhota e desconhecendo totalmente a obra do lisboeta Paço d'Arcos, tratava o sintrense Francisco Costa, apesar de católico, em perspectiva universal e em termos tão generosos que o inolvidável P. João Mendes espontaneamente se arrependeu (em carta, não em público) da parcimónia da sua apreciação a meu respeito. A verdade tem de se dizer: foi o agnóstico, não o católico, quem se atreveu a apreciar os meus romances no plano das grandes obras do género, para justificar, como ele próprio observou, os seus reparos antimoralísticos... nem sempre justos. Na Brotéria, confinaram-me aos limites da aldeia portuguesa, talvez por eu não lhes ter dado um romance integralmente católico, segundo o modelo mauriaciano, definido e até preceituado pelo autor de MONTE PARNASO MONTE CARMELO.


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E afinal vou dando alguns trechos de memórias (quase sempre egocêntrico e egotistas) nas cartas que escrevo neste meu final de vida literária. Junto lhe envio cópia daquela que dirigi ao Gilberto Moura, pois ao escrevê-la pensai constantemente em si e nos seus generosos escritos a meu respeito. Há quarenta anos, sempre que a perspectiva literária se alargou para além do nosso burgo, foi ainda o João Gaspar Simões quem me defendeu por várias vezes, indignando-se, numa delas, contra a miopia dos meus correligionários, que não sabiam ver esta "glórias das letras católicas portuguesas". Triste glória a minha: a de um autor que nunca se decidiu a promover "son personnage", como me dizia o meu querido Paço d'Arcos. Vi-o pela última vez nesta casa, quando ele, já muito doente, persistiu em aceitar aquela reunião de amigos, com que se festejou, depois da missa, meio século de matrimónio feliz. Também ele, depois do António Júdice, muito estimava a "colaboradora invisível dos meus romances": a grande senhora sem a qual eu não seria quem sou. Agora, viúvo, encontrei-me tristemente com a viúva dele, noutra merenda (assim se dizia em Sintra no tempo do Marialva), oferecida pelo Domingos Oliveira Martins ao Embaixador do Brasil, que brevemente será transferido para Washington.
Coincidência curiosa: dias antes, o Dr. Dário Castro Alves encontrara-se com o Amândio César, e tais coisas este lhe disse a respeito dos meus romances e outros escritos, que o cultíssimo diplomata brasileiro andava desde então à minha procura pelo telefone, sem conseguir ligação. O Oliveira Martins nos ligou inesperadamente, sem saber que bom serviço me prestava ao convidar-me.
E pronto! Esta sua carta vai tão extensa como a do Gilberto Moura: a bem do correio, cujas tarifas subiram verticalmente.

Abraça-o, como sempre, o seu amigo muito grato

Francisco Costa

PS. Leio em LÍNGUA PORTUGUESA (Junho, 1983), a propósito do recente CONGRESSO SOBRE A SITUAÇÃO ACTUAL DA LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO, estas palavras do director da revista: "Não sei de mais alto serviço prestado à língua portuguesa".
Então os autores que escreveram em português, desde o século de Camões ao de Fernando Pessoa, não prestaram serviços relevante à língua pátria?

nota - João Bigotte Chorão, Diálogo com Francisco Costa, Sintra, Santa Casa da Misericórdia [1994]. Conferência. Uma carta que é um documento notável sobre as tensões ideológicas que a literatura portuguesa conheceu no século XX, com as suas vítimas e os seus triunfadores.




quinta-feira, 11 de abril de 2019

29 de Maio de 1930: H. Lopes de Mendonça a Ferreira de Castro

Meu Ex.mo e prezado Camarada

Li com imenso interesse o romance A Selva, com que teve a gentileza de me brindar. Confirmaram-se e melhoraram ainda as belas impressões que me tinha deixado Os [sic] Emigrantes. Procuro fugir ao tom pedantesco para francamente, sem ares de pedagogo que seriam descabidos, lhe manifestar o meu sentimento de viva admiração. Sem sombra de lisonja, afirmo a V. Ex.ª que através da sua visão de português vejo melhor o interior do Brasil do que na retina dos escritores brasileiros. Podia atribuir-se isto à afinidade que existe entre as visões de dois europeus. Mas, seja como for, é necessária uma grande energia no descritivo e uma intensidade grande de colorido, para que os quadros se me apresentem tão cheios de vida cinematográfica. Creia V. Ex.ª que é com sincera efusão que o cumprimento e o felicito.
Faltaria a um dever de consciência para com um artista do seu alto valor, se muito de relance não indicasse o principal senão que se me deparou no seu livro. A acção romântica pareceu-me desconexa um pouco, e até às vezes obscura em consequência de certas falhas de narrativa. Este senão é contudo sobejamente resgatado pelas eminentes qualidades que tive o grande prazer de apontar.
Há meses -- não sei se lhe constou -- saí com o peso dos meus 70 e tantos ao escritório da rua do Carmo para ter o prazer, ainda inédito, de apertar a mão que tão belos livros escreve. Senti não o ter conseguido. E agora maior pesar tenho de ainda de não se me deparar ensejo de manifestar verbalmente a V. Ex.ª a minha admiração e a minha simpatia literária, e de desenvolver algumas considerações que a leitura dos seus livros me sugere.
Não o podendo fazer, sirvo-me deste meio para reiterar as minhas felicitações e os meus agradecimentos, subscrevendo-me, com a maior consideração e estima.

De V. Ex.ª
Adm.or e cam.ª obg.mo

H. Lopes de Mendonça

S/C
29-V-30

nota -- Publicado por Ricardo António Alves, Cartas Inéditas a Ferreira de Castro, Sintra, Vária Escrita #1, Câmara municipal, 1994. Lopes de Mendonça (1856-1931), autor dos versos de A Portuguesa, além de erudito historiógrafo da náutica dos Descobrimentos, era um exigentíssimo estilista. A sanção de uma figura deste peso já histórico -- concorrera com Eça de Queirós a um mesmo concurso promovido pela Real Academia das Ciências, tendo o seu Duque de Viseu logrado alcançar o discutido favor do júri em detrimento de A Relíquia --, constituiria para o jovem literato que se fez a si próprio uma distinção de modo algum desprezável. Vinha já longe o tempo das ousadias alardeadas pelo Mas...(1921).


terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Paris, 6 de Agosto de 1894: Eça de Queirós a Alberto de Oliveira

Paris, 6 Agosto 1894.


Ex.mo e caro amigo:


Não me queira mal, ou esqueça o mal que me tenha querido por eu só tão tarde ter agradecido o elegante livro.
«O coração põe e a Vida dispõe»: e a minha tão tiranicamente se tem comportado que não me deixa tempo para cumprir uma obrigação logo que a ela se mistura muita devoção.
Foi com alvoroçada simpatia que abri as folhas das Palavras Loucas. Mas Loucas porquê? Através delas só entrevi Razão, e madura, ou na fácil véspera de amadurecer. E nelas próprias só vi precisão, limpidez e ritmo que são qualidades de Razão e das melhores. É por esta linda arte de bem-dizer que eu o quero sobretudo louvar, -- ou antes felicitar, porque a Prosa é um dom, e dos Deuses, como a Beleza. Enquanto às suas ideias -- não lhe parece que o Nativismo e o Tradicionalismo, como fins supremos do esforço intelectual e artístico, são um tanto mesquinhos? A humanidade não está toda metida entre a margem do rio Minho e o cabo de Santa Maria: -- e um ser pensante não pode decentemente passar a existência a murmurar estaticamente que as margens do Mondego são belas! Por outro lado o Tradicionalismo em Literatura já foi largamente experimentado, durante trinta largos anos, de 1830 a 1860 -- e certamente não resultou dele aquela renovação moral que Portugal necessita, e que o meu amigo dele espera. Tivemos xácaras e romanceiros, e lendas e solaus, e moiros, e beguinos, e besteiros, e sujeitos blindados de ferro que gritavam com magnificência -- «Mentes pela gorja, D. Vilão!» -- e uma porção imensa de Novelística popular, e paisagens Afonsinas com torres solarengas sobre os alcantis, e tudo o mais que o meu amigo reclama como factor essencial de educação... E de que serviu tudo isso para o aperfeiçoamento dos caracteres e das inteligências, ou sequer para a sua renacionalização? De resto, o movimento Tradicionalista, cuja ausência o meu amigo lamenta, ainda não cessou, está em torno de si. Tomás Ribeiro, Chagas e toda a sua descendência literária, são tradicionalistas. E esses «Príncipes Perfeitos» e Duques de Viseu, e Pedros Cruz , e D. Sebastiões que frequentam o palco de D. Maria não creio que tivesse chegado aí, de Paris, pelo sud-express. E o resultado?...
Não, caro amigo, não se curam misérias ressuscitando tradições. Se a França, depois de 1870, tivesse resumido o seu esforço em renovar na Literatura as Chansons de Geste , ainda cá estavam os Prussianos. O dever dos homens de inteligência num país abatido, tem de ser mais largo do que reconstruir em papel o Castelo de Lanhoso ou chamar as almas a que venham escutar os rouxinóis do Choupal de Coimbra.
Em todo o caso o grito do Tradicionalismo é um belo grito, sobretudo quando nos chega numa voz tão polida, e culta, e penetrante, e elegante como a sua. E aqui volto ao meu primeiro louvor, o da forma excelente, tão fina e luminosa, que reveste todo o seu livro. Quando se possui um tão belo instrumento, deve-se tocar uma ária mais larga e mais profunda que a do neo-medievalismo e do neo-trovadorismo. E, a propósito, o que é o Neo-Garrettismo? Estou com muita curiosidade de saber a que nova concepção do Universo, a que novo método Científico, ou a que feitio original do espírito crítico, deu o seu grande nome o mestre genial do Frei Luís de Sousa. Se o Neo-Garrettismo é um sistema que nos habilitará, a todos, a fazer Frei Luíses de Sousas e Autos de Gil Vicente, então, por Júpiter! sejamos todos neo-garrettistas com fervente entusiasmo! Para me explicar todas estas coisas e sobretudo para o ver e abraçar é que eu desejo vivamente que se realize a sua vinda a Paris, que há tempos me foi anunciada por um amigo. É para este Outono?
E o António Nobre? Sei que ele está em Paris: mas esse moço encantador, desta vez, nem sequer me quis dar o gosto de saber onde instalara os seus lares. Da sua morada, onde quer que ela seja, à minha, não haverá (dada a extensão de Paris) mais de meia hora de fiacre. Eu, porém, que sou um fiel ledor de Homero, sei quanto custa aos Deuses descerem do Olimpo. Já o dizia Hermeias (vulgo Mercúrio) a Kalipso, que como sabe, morava burguesmente numa ilha do Arquipélago: -- «Cuidas que não é uma grande maçada descer dos sólios estrelados, para vir a estes tristes sítios mortais, onde nunca se respira um bocado de bom incenso nem se bebe um bocado de bom néctar?». -- Mas nisto se engana o meu amigo, porque se eu o desejava ver era justamente para lhe repetir quanto o estimo, e para bebermos juntos um pouco de Médoc, que é o desconsolado néctar destes tempos. Quando lhe escrever ralhe com ele, docemente.
E, enfim, caro amigo, um bom abraço, depois desta tagarelice, e agora, e sempre, me creia, fielmente

Seu muito dedicado

Eça de Queirós
Nota - Publicada por Alberto de Oliveira, Eça de Queiroz -- Paginas de Memorias, Lisboa, Portugal-Brasil Sociedade Editora, 1919. Um prodígio de humor e ironia, a propósito do vezo tradicionalista de Alberto de Oliveira e o neo-garretismo  -- expressão que lhe pertence, que se estende às peculiaridades do seu muito próximo António Nobre. Ao contrário do que alguns pensam, e gostariam, o Eça nem com o aproximar-se do fim foi um reacionário.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Lisboa, 9 de Março de 1903: Teixeira de Queirós a João de Barros

Lisboa, 9-3-1903

Meu amigo:

Agradeço-lhe a oferta da sua poesia À Virgem, que acho excelente como composição poética. Porém, não concordo com o seu fundamento filosófico que é dum volterianismo hoje fora de moda. Ou se acredita ou não no que dizem os evangelistas e doutores da Igreja acerca de Maria, o que é ponto secundário. Este belo símbolo que não é somente católico tem um grande interesse poético, considerado na sua pureza. Inúmeros poetas, que se não podem dizer fanáticos pelo espírito religioso o têm respeitado na sua pureza e na sua bela castidade. Antero de Quental é um deles, como sabe. Que belo soneto À Virgem Santíssima!
As ideias religiosas, os símbolos religiosos têm para nós a grandeza de criações do espírito humano e devem ser respeitados como tais. Certamente que não foram inventados para enganar mulheres dementes nem homens sem critério, ainda que as igrejas de todas as religiões se tenham servido deles com esse fim. A lenda da Virgem Maria é encantadora como símbolo poético e é-o para mim principalmente pela sua virgindade, pela sua castidade, que lhe dá um ar elevado e puro, livre das contingências e materialidades. Quanto à adoração das imagens foi o próprio Cristo que o condenou aos fariseus, mas esta materialidade também é uma tendência poética do nosso espírito: -- significar no vivo palpável o que existe no nosso vivo impalpável. Toda a escultura e pintura é isto. De modo que achando inscritos versos felizes na sua poesia, não concordo com as suas antigas ironias volterianas à Virgem, e principalmente à castidade deste símbolo.
Seu amigo



Nota - Publicada por Manuela de Azevedo, Cartas a João de Barros, Lisboa, Livros do Brasil, s.d. Carta interessantíssima Teixeira de Queirós (1849-1919) ao seu futuro genro João de Barros (1881-1960), tanto mais interessante por vir de um veterano escritor naturalista a defesa do valor e beleza simbólicos do dogma da virgindade mariana. Terá resposta.

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Portalegre, Abril de 1939: José Régio a João Pedro de Andrade

Boavista, Portalegre
Abril de 1939
Prezado camarada:




     Desculpe-me esta demora. Não foi a leitura da suas peças que me tomou todo este tempo: Li-as logo que as recebi. Mas queria escrever-lhe devagar e longamente. Afinal... para quê? Além de que adio sempre demasiado as cartas que me proponho escrever como quem escreve um ensaio, -- o que tenho de principal a dizer-lhe é simples; e pode ser dito ao correr pena, conforme sair: Gostei muito das suas peças... e julgo não me ter enganado gostando. O que nas suas críticas me chamara a atenção não fora tanto a justeza ou a não justeza dos juízos (se alguns seus juízos me pareciam justíssimos, outros, tal o sobre o João Falco, pareciam-me injustos) como, sobretudo, um tom de quem diz as coisas sabendo o que diz, «com um saber de experiência feito». O João Pedro de Andrade afigurou-se-me um daqueles homens -- raros em Portugal -- que têm um conhecimento íntimo, profundo, pelo menos de certos aspectos da vida, e nesse conhecimento se estribam quando escrevem. Esses, são interessantes mesmo quando errem ou se enganem: As suas palavras podem não ter a sonoridade própria a certos talentos brilhantes e ocos... mas claro que é preferível, nesta coisa das letras, o som cheio, surdo, duma pancada num muro denso. Julgo eu que se não pode ser grande escritor sendo pequeno homem, e que é preciso ter coisas em si para poder interessar aos outros. Ora através dos seus artigos e críticas, o João Pedro de Andrade parecera-me um desses homens que têm o direito de escrever por alguma coisa terem, de facto, a dizer aos seus semelhantes. Por isso lhe pedi colaboração para a presença. Não tive grande mérito na minha descoberta, pois já outros tinham descobrido o mesmo. E por isso esperei e li com grande curiosidade as suas peças. Ora no meu entender, as suas peças confirmam dum modo muito superior ao das suas críticas isso que eu pressentira: O João Pedro de Andrade tem coisas a dizer; e isto que parece um mínimo de exigência, exigir dum escritor que tenha coisas a dizer, -- não o é; pelo menos, cá na minha linguagem. Além disso o João Pedro de Andrade é sem dúvida uma vocação de dramaturgo. O seu diálogo logo me surpreendeu (desculpe, eu devia escolher outro verbo...) pela rara qualidade de não ser vulgar nem empolado; isto é: de só ter a estilização necessária a todo o diálogo de teatro, e adequada ao assunto, personagens, meio, etc. Mas não achei menos notável a simplicidade, digamos nudez, depuração, com que a acção caminha, desprezando todo o desnecessário, todo o supérfluo, -- ou a vida que anima os personagens, tão diferentes dos retóricos bonecos que por aí nos apresentam em cena. Perante estas qualidades importantíssimas, nem tenho a mínima vontade de entrar numa análise crítica, miúda e restritiva: Naquela vida própria que adquirem personagens de ficção (em Continuação da Comédia) poder-se-á, talvez, descobrir um eco de Pirandello. E adivinho, pois o não chego a constatar, nem sei quê do Ibsen em certas falas ou no ambiente de Uma só vez na vida. Porém Ibsen é daqueles grandes Mestres com quem todos podem aprender sem sacrificar a sua originalidade própria (isto mesmo é o que caracteriza os mestres autênticos...) e qualquer sugestão que Pirandello lhe tenha dado não diminui a originalidade da sua peça num acto. A verdade nua e crua, muito simplesmente dita, é esta: Eu fiquei entusiasmado com as suas peças. E o que me admira, posto em Portugal não sejam estas coisas muito para admirar, é que o João Pedro de Andrade tenha escrito estas peças, e outras, e seja desconhecido como autor dramático. Não terá o meu prezado camarada alguma culpa nisso? É preciso lutar, teimar, impor-se. Eu quereria poder fazer alguma coisa para o poder ajudar nessa empresa. Mas que posso eu senão escrever? Se consente em publicar na presença A Continuação da Comédia, (e digo esta não porque Uma só vez na vida lhe não seja ainda superior, que o é, mas porque a sua extensão dificulta mais o caso) terei nisso verdadeiro prazer. Tínhamos combinado começar a publicar desde o próximo número uma peça inédita de Alfredo Cortês -- Bâton. Mas não recebemos, até hoje, notícia duma resolução definitiva do autor. A sua peça apareceria já no próximo número, no caso de não vir a dele, que tem primazia por uma simples questão de prioridade de tempo. Uma revista tem as suas exigências de equilíbrio no género da colaboração publicada; e por isso poderia este primeiro número da nova série da presença parecer conter demasiado teatro, no caso de saírem a público as duas peças. Já em outro número se poderia melhor admiti-lo. Conhecendo outras peças suas, (que teria muito gosto em conhecer), e obedecendo a uma das intenções da presença, que é estar ao serviço dos verdadeiros talentos que vierem aparecendo, eu escreveria uma nota crítica um pouco desenvolvida sobre um dramaturgo inédito. Fico esperando uma nota sua, e sou o seu camarada e admirador,

José Régio



     P.S. -- Por já ser hoje tarde, lhe não devolvo o seu original de Uma só vez na vida. Para lhe devolver o outro, espero a sua resposta.
In João Pedro de Andrade, Intenções e Realizações da presença na Prosa de Ficção 
(edição de Julieta Andrade)


Nota: Diálogo entre dois dos maiores críticos do seu tempo, e também dramaturgos: «Não se pode ser grande escritor sendo pequeno homem.» A histórica presença quase no fim.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Espinho, 8 de Dezembro de 1904: Manuel Laranjeira a João de Barros

   
  Ex.mo Sr. João de Barros



     Perdoe-me não ter desde logo respondido à sua carta, ao menos para agradecer-lhe a amabilíssima oferta do seu livro.
     Mas foi-me impossível, organicamente impossível. Eu poderia dizer como aquele doutor Rank do drama de Ibsen «que sou o mais miserável dos meus doentes», tanto me sinto vítima dos meus pobres nervos enfermos.
     Há quinze dias quase, que vou atravessando penosamente uma crise de tempestades íntimas que me inutilizam para o trabalho.
     Várias vezes tentei copiar o fragmento do estudo que lhe prometi para a sua revista.* Mas tive de abandoná-lo logo com repugnância invencível -- uma verdadeira fobia. O que me consola é a certeza de que V. Ex.ª nada perde com isso.
      Contudo, numa hora de sobreexcitação, depois duma noite memorável para mim em que vi Mounet-Sully representar o «Édipo-Rei», fiz o artigo que lhe envio e que poderá publicar na sua revista, se merecer a pena disso. Se nada lucra V. Ex.ª com a troca, nada perde com a perca.
     Se lhe não custar, envie-me as provas para eu rever. É um grande favor. No meu desleixo dessas coisas, tenho sido castigado, pois tenho visto mutilados, defeituosos, artigos meus -- lástima que só eu sinto, porque são meus, mas que eu sinto deveras, com uma aflição... paternal.
     E para o próximo número, se este estado delicioso em que estou não continuar, mandar-lhe-ei o fragmento do estudo prometido.
     Ainda não li o seu livro. As próximas horas de boa disposição que eu tenha serão para o ler.
     Contudo, estou antecipadamente certo que as referências que Sílvio Rebelo me fez de V. Ex.ª, não eram lisonjeiras, se não justas.
     Limitando-me por agora a agradecer-lhe muito e muito a sua gentilíssima oferta, subscrevo-me

     Espinho, 8 de Dezembro de 1904.

De V. Ex.ª
com toda a consideração
Cr.º sem préstimo

Manuel Laranjeira


Nota - Um estado depressivo aos 27 anos (só iria viver mais oito).




quarta-feira, 20 de dezembro de 2017

Santa Eufémia, Córdova, 16 de Novembro de 1870: Oliveira Martins a António Enes


S.ta Eufémia, 16 de Novembro.


Meu caro Enes


     Há já bastante tempo que recebi a tua boa mas desalentada carta. Compreendo o que sentes, porque o senti já, enquanto não tomei a resolução heróica de viver só para comer, e sentir alguma coisa semelhante, á vita della bestia do Maquiavel. O trabalhar e elevar o espírito no convívio humano e existir dentro da Sociedade Culta (?) é, quer-me parecer, impossível. Nós formamos hoje, em Portugal, principalmente, aquilo que a ex-França chamou os declassés. Deita-te ao bispo ou ao Fontes ou ao Ávila, e verás como és homem! Mas tu não podes e dou-te os parabéns por isso. Que vives e reages, vejo eu também, porque além do teu opúsculo, que peço desculpa de não te ter agradecido ainda, tenho seguido a tua polémica com o Testa no J. do C.  -- Dum e doutro dos teus trabalhos, que além da atenção que em si merecem, me mereciam a mim, aquela que se deve a um amigo, te direi o que penso.
     Parece-me que o teu ataque ao Testa, que bem escrito, erudito, sério e elevado, era fraco num ponto essencial, fundamental, direi mesmo, a filosofia do direito. Em virtude de quê entraram os italianos em Roma? Em virtude do direito revolucionário, liberal, etc. E o Testa nesta parte responde-te bem. Meu amigo é necessário dizer as cousas pelos seus nomes e romper com certas banalidades, que não têm razão de ser. Tu não querias impugnar a grande banalidade -- a força não dá direito: uma conquista é um facto, não é um direito. Eu tratando essa questão, diria abertamente: a força é direito a conquista é um direito. É só neste terreno que quanto a mim se pode (e deve) defender a entrada dos italianos em Roma. Quanto ao mais, pouco se me dá que a oligarquia burguesa do governo italiano substitua a oligarquia clerical do governo romano. Duvido que os romanos ganhem muito com a mudança. O plebiscito tem para mim valor igual, ao da recepção de Garibaldi em Nápoles. Já se queixam os napolitanos.
     Lembra-te de que o orçamento da despesa do governo italiano, é o quíntuplo da soma do de todos os estados anexados, antes de 59. Não, os governos constitucionais e liberais, não querem, nem a justiça, nem a liberdade, nem são o caminho para ela. Sobre a ruína de instituições caducas, assentam uma casta que vive dum erro económico da sociedade contemporânea -- a burguesia capitalista. Quanto mais sociedades constituto-liberais se formem mais sangrenta será a luta pela revolução e pela justiça. Quanto *a reformação do non possumus papal, seriamente crês nela? Não digas isso, homem; pois não vês que no momento em que Roma dissesse o possumus, tinha morrido e vergonhosamente? Assim ao menos cai no seu posto. Sobre o teu folheto prusso-francês, que li e reli, te direi que me parece muito mais bem pensado e o abraço convictamente. A França era com efeito o país donde nos devia vir a tocsin regeneradora; Mas a França morreu. Poderá substituí-la a Alemanha? Não tenho ideia feita sobre isso. Não conheço e do pouco que sei, tremo muito da Alemanha. Não falo de Bismark e Comp.ª, porque a esses creio eu que foi a guerra um passo agigantado para a ruína. No momento em que a Alemanha se encontrar constituída, há-de varrê-los de casa para fora, e se o não fizer cairá mais depressa, do que caiu a França.
     Desculpa-me tu meu caro Enes esta maçada; o deserto obriga a meditar, e estas noites longas de inverno a conversar com os bons amigos como tu, por esta forma, já que por outra não pode ser. se não fazes nada aí, vem até cá. Asseguro-te que por um mês hás-de distrair-te. A indústria em si tem uma verdadeira poesia, nunca a senti como agora, a serra, os caracteres primitivos do povo e o sabor arabesco das povoações, valem a pena de serem vistos. Economicamente se faz a jornada.
     Minha mulher te pede para te ser recomendada, e eu que, lembrando-me a todos os que de mim se lembrarem, aceites o cordial aperto de mão


                                                                                Do teu amigo


                                                                                                               J. P. Oliveira Martins


Correspondência de J. P. Oliveira Martins, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1926.

(edição: Francisco d'Assis Oliveira Martins)

Nota - A propósito do trabalho de António Enes, A Guerra e a Democracia. Considerações sobre a Situação Política da Europa (1870), Martins expõe o seu conceito antiliberal, que virá a tomar a forma de cesarismo, comenta a entrada das tropas de Vítor Manuel II em Roma, liquidando os Estados Pontifícios e culminando a reunificação de Itália, bem como a delicada Guerra Franco-Prussiana -- cujos efeitos ainda hoje são sentidos.

segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

6 de Janeiro de 1909: Maria Amália Vaz de Carvalho a João de Barros

6-I-1909

     Meu bom amigo

     Venho agradecer-lhe mt.º e mt.º o seu belo livro que li com imenso interesse. Sem concordar inteiramente com as doutrinas ali expostas achei um grande prazer intelectual em ver o modo como as expunha.
     O seu sonho de educação integral tem para nós um defeito... o de ser mt.º caro!
     Uma amiga minha que deixou agora o filho no colégio Des Roches pagou 900$000 adiantados por um ano!
     Imagine o belo pai de família português, burocrata (em Portugal não há senão burocratas) e tendo 12 filhos (em Portugal ninguém que se preza tem menos de 12 filhos) e suponha-o educando os seus filhos num colégio assim, e triando-os de lá sabendo de tudo um pouco, mas não tendo capacidade de entrar na gloriosa carreira do Pai por falta de diplomas legais! Que horrível desastre!
     Nós temos de criar uma educação nossa. Não a sonhada pelos utopistas da Grécia, não a imaginada pela fantasia humanitária de Rousseau, nem pelo amoralismo implacável do seu Nietzsche mas adaptada ao triste meio que só um século de trabalho incessante poderá ir lentamente modificando.
     Que haja mt.os professores como o meu caro João de Barros e com certeza essa modificação para melhor será mais rápida.
     Mas onde é que eles estão?
     Muitos parabéns, apesar destas divergências que desculpará a uma velha amiga que já leva em tarefa de educar filhos sem pai, pelo seu livro que é mais uma luminosa afirmação de tranbalho, de talento e de devoção ao seu duro ofício de ensinar.
     Sua amiga mt.º grata
e sincera adora

M.ª Amália
     Um abraço à Raquel


Cartas a João de Barros, Lisboa, Livros do Brasil, s.d.
(edição: Manuel de Azevedo)
    
     Nota - Debate breve entre dois pedagogos, cujas idades se distanciavam em 34 anos (Maria Amália era de 1847; Barros, de 1881), a propósito do livro deste, A Escola e o Futuro (1908)

quarta-feira, 8 de novembro de 2017

7 de Fevereiro de 1886: Camilo Castelo Branco a Tomás Mendes Norton

7/2/86

Exmº Amigo

     Parecem-me excelente e logicamente derivadas as suas conjecturas sobre a influência de Cardeal D. Jorge nas obras do seu mosteiro. pouco importa que ele haja morrido alguns anos antes da ornamentação interna do edifício.
     Noto que V. Exª esgaravata tudo que possa ter peso na balança das probabilidades. Ainda m'mo que não vingue levar a convicção aos que duvidam por um pirronismo sistemático, decerto nos dará um livro recheado de conhecim'tos da arte e da erudição histórica.
     Estou padecendo m'to, e escrevendo sempre, a ver se desequilibro as dores, concentrando o fluido nervoso na cabeça.

De V Exª.
Obrig'mo Amº

Camilo Castelo Branco

Nota - Dadas à estampa por um seu neto, Luís Norton, as cartas de Tomás Mendes Norton a Camilo versam sobre uma hipotética fantasia de o mosteiro medieval de Refojos do Lima dever o traço do seu restauro e as linhas de alguns azulejos respectivamente a Bramante e a Rafael, por intermediação do Cardeal Alpedrinha, D. Jorge da Costa, grande figura da Igreja Católica. Essa atribuição, contestada pelo organizador deste voluminho de uma dúzia de missivas de Camilo, não obteve acolhimento posterior, sendo atribuídas as ousadas propostas pelo descendente a um espírito peculiar composto por romantismo tornado obsessão, que levaria o proprietário à ruína, não se ocupando de qualquer outra coisa que não fosse a comprovação dessa sua teoria, publicando, em 1888, uma obra, vertida para o francês: Études sur les Oeuvres d'Art de Raphael Sanzio d'Urbino au Monastère de Refojos do Lima. A esta ideia, ao que parece mirabolante, dará Camilo, amigo do pai do correspondente, todo o lastro.

segunda-feira, 20 de junho de 2016

Montpellier, 25 de Novembro de 1934: Vitorino Nemésio a José Régio

Montpellier
(Collège des Écossais,
Plan des Quatre Seigneurs),

25 de Novb.º 1934.


Meu caro José Régio



Deixe-me exprimir-lhe antes de mais, antes da crítica e de tudo a minha admiração, surpresa, encanto, entusiasmo, fé (e que mais?) pela leitura do seu livro. Vou apenas a págs. 258, mas já fui agarrado, senão rigorosamente desde o princípio, desde bastante no começo. Assim é que estou faltando ao planos que traçara: ler o seu livro apenas em viagem, e até onde chegasse a viagem. E é curioso que isto se tenha dado quando uma das coisas que terei a dizer-lhe é que o seu livro não é romance senão por alguns aspectos. Mas veja já, veja imediatamente como a intrusão da crítica numa impressão sincera e complexa é uma coisa limitante, além de poder ser uma espécie de pedrada... Não; o seu livro é uma fortíssima e extraordinária coisa. Extraordinária para nós portugueses; comum talvez só para uma das duas estreitas dúzias de escritores do mundo. E de novo lhe estraguei o que lhe digo com esta inclinação aldeã de colocar a «música» da terra num plano de «música» de outras terras! Nacionalismo, meu caro José Régio, e vícios de uma fácil «Literatura Comparativa», -- manhas de professor... A verdade é que eu queria passar-lhe para aqui, quase sem meditação (e sobretudo sem premeditação) a porção de coisas que estão a flutuar cá dentro e que me vêm jogadas do seu livro: a poesia extraordinária que nele pulsa; a prosa corrente e ao mesmo tempo rara com que é feito -- rigorosa e ondulante, toda afinada pelo timbre português sem perder nada do tom pessoal de quem a escreve e da cadência a ideias e sensações de toda a parte. Nem quero calcular, organizar esta comunicação do que sinto, e é bem triste afinal que as correntes que nos atravessam tenha a necessidade de fios!
Há páginas em que V. atinge a luminosidade de toda a expressão que conseguiu libertar-se dos seus meios ou da consciência deles para chegar à terrível ou inefável nudez do inexprimido -- e lembro esta página a que já cheguei hoje, 26, dia em que continuo esta carta (p. 323). Aí V. justifica involuntariamente, com naturalidade genial, a escolha do Discours de la Méthode p.ª título das duas Mem.as de Jaime Franco, quando é levado a suspeitar da inutilidade do seu «relatório» e da sua possível gaguez em face da «força de sistematização e propriedade da linguagem dos filósofos e dos sábios». Divina gaguez essa que «tritura» (um verbo de V.) as mil e uma contradições do suceder íntimo e do pensamento dele, multiplicado e reproduzido até à saciedade e à dor, recaído depois em novas fornalhas do «monstro» e outra vez levado ao tenso fulgor da reflexão.
Paro por aqui, por que me apeteceria não acabar. Não toco nos motivos porque o seu livro não é inteiramente romance. V. conhece-os. O seu livro, aliás, não sendo romance, é muito mais. E não sei porque me surge como uma dessas mensagens de cumieira: umas Confissões de St.º Agostinho, ou assim. De censurável (e até de fastidioso) só certas páginas em que Serra contracena com os rapazes do Grupo e não se sabe porque motivo -- social e lógico motivo -- se zangam, formalizam, melindram ou amuam. Confesso que aí cheguei muitas vezes a enfadar-me e a amarrotar as páginas, furioso consigo... Mas saio do Jogo da Cabra Cega com uma impressão decididamente forte, muitas vezes empolgada, -- e (deixe-me dizer-lhe) com uma sensação de pequenez minha, da mediocridade dos meus meios, que oxalá o seu exemplo, tornado estímulo, ajude a transformar nalguma coisa de melhor. Um grande abraço do
Nemésio.


Publicada pelo grande regiano que é Eugénio Lisboa, num livro de ensaios que é, também ele, um extraordinário testemunho de agudeza crítica, O Objecto Celebrado, Coimbra, Por Ordem da Universidade, 1999.


Nota - Carta empolgante de Nemésio, com mais de meio livro lido, esse inovador Jogo da Cabra Cega, de Régio, acabado de publicar, e cujo destino seria o da apreensão. Empolgante, nem tanto pelo entusiasmo, contido por vezes, de Nemésio, mas pelo espectáculo que dá do scholar em acção judicativa -- esse mesmo que dez anos mais tarde faria aparecer um dos maiores livros da nossa literatura, Mau Tempo no Canal

terça-feira, 31 de maio de 2016

Espinho, 12 de Março de 1905: Manuel Laranjeira a João de Barros



Ex.mo Sr. João de Barros:




Um número da sua revista, que me chega agora à mão, veio bruscamente lembrar-me que lhe sou devedor de tanta coisa prometida! e devedor que se está comportando dum modo bem singular.
Peço-lhe que me creia: eu não tive o mais leve intuito em desconsiderá-lo com o meu silêncio e nem sequer tive o intuito a furtar-me a pagar-lhe o que lhe prometi e devo. Isto em mim agora não é alijar uma responsabilidade de mau pagador: é a verdade. Se me conhecesse intimamente estou certo que V. Exª. não só explicaria e perdoaria o meu silêncio amigo (numa significação bem diferente duma cursilería que para aí se chama amizade). Todos nós temos, dormitando no fundo do nosso ser, o nosso demónio (até Antero e Sócrates, que foram integrais como deuses, tinham cada um o seu) a que a psiquiatria de agora chama insultuosamente neurastenia, nevrose, psicastenia... -- e que sei eu? Quando um demónio desperta e reivindica os seus direitos ferocíssimos (ferocíssimos para o nosso pobre ser que tem de sofrê-los) nós esquecemo-nos de tudo -- até de pagar o que devemos. Exponho-lhe estas coisas íntimas e lastimosas, porque estou certo de que me dirijo a um espírito capaz de as compreender. Doutro modo, se, em vez de tratar de si, se tratasse duma criatura vulgar como a abjecção da vida, creia: eu prolongaria indefinidamente o meu silêncio... -- et je m'en foutrais.
Eu desejava dizer-lhe muitas coisas sobre a sua magnífica plaquette dramática (dramática, não; lírica, bela e intensamente lírica); mas teria de ser longo e maçador. Sendo-lhe a si (devendo ser-lhe!) demais a mais indiferente a minha opinião sobre o valor artístico dela. De resto, uma opinião, boa ou má, seja de quem for, sobre uma obra de arte, não a desnivelará uma linha sequer do lugar justo que o seu valor real lhe marcou. Ninguém, nem Deus (refiro-me a Deus num sentido metafórico!), seria capaz de anular um átomo ao valor da obra shakespeariana, ou de pôr um átomo de génio nos medíocres furtos do Sr. J. D. Uma obra é o que é -- diga-se dela o que se disser. A crítica é apenas um comentário que traduz uma impressão ou uma análise: pode explicar a obra de arte, mas nunca validá-la ou invalidá-la. Nestes termos, a crítica, para o autor da obra de arte, não é lisonjeira, nem agressiva: é indiferente (deve sê-lo!). Por isso não estou a massacrá-lo com a minha admiração.
E quando solverei eu a grande dívida de enviar-lhe o artigo prometido?
Quando o meu demónio deixar.

Espinho, 12 de Março de 1905.
Criado sem préstimo
M.to Ob.do e Admirador

Manuel Laranjeira






Cartas (edição de Ramiro Mourão, 1943)

Nota - Carta extraordinária de um espírito brilhante e torturado. Por um lado, pela forma como se expõe a João de Barros na sua assustadora (sabêmo-lo suicida) vulnerabilidade; por outro, no seu agudíssimo conceito sobre a recepção literária e as suas óbvias fragilidades. A revista referida é Arte e Vida, dirigida pelo destinatário; "J. D." -- trata-se, evidentemente, de Júlio Dantas.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Rio de Janeiro, 10 de Setembro de 1934: Jorge Amado a Ferreira de Castro

Rio de Janeiro, 10 de Setembro de 1934.


Meu caro Ferreira de Castro.

Acabo de voltar ao Rio e encontrei na Ariel a sua última carta. Agradeço os seus conceitos sobre Cacau Suor.
Venho de passar quatro meses na Baía, recolhendo um resto de material para um romance sobre negros. Chamar-se-á Jubiabá, nome de um macumbeiro de lá e espero fazer um livro forte, fixando nas duas primeiras partes -- Baía de Todos os Santos e --Grande Circo Internacional -- todo o pitoresco do negro baiano -- música, religião, candomblé e macumba, farras, canções, conceitos, carnaval místico -- e toda a paradoxal alma do negro -- raça liberta, raça das grandes gargalhadas, das grandes mentiras e raça ainda escrava do branco, fiel como cão, trazendo nas costas e na alma as marcas do chicote do Sinhó Branco. A terceira parte --A greve -- será a visão da libertação integral do negro pela sua proletarização integral. Que acha v. do plano?
Lhe envio um Boletim de Ariel onde falo em V. Aliás a nota está besta. Mas vale a intenção. V. recebeu meu artigo sobre Terra Fria? Acuse o recebimento.
Mande dizer o que v. está fazendo. Qual o livro que o preocupa no momento? V. tem um grande público aqui no Brasil. Aliás porque v. não envia pro Ariel uma nota sobre a nova literatura de Portugal? Aqui há um certo movimento intelectual que está fazendo alguma coisa. O público nos apoia intensamente. Compra nossos livros. A crítica, é natural, se divide em descomposturas e elogios. Mande o artigo. Porque v. não aparece aqui de novo? Pelo que depreendo dos seus livros v. esteve por aqui em 24. Gostaria de ser seu cicerone numa viagem longa através do Brasil. Vendo as casas coloniais da Baía. Material que em suas mãos daria romances como A Selva.
Me escreva. Agora não saio do Rio tão cedo. O Lins do Rego está em Maceió onde reside. Mandei em carta suas lembranças para ele.
Abrace o seu amigo e admirador
Jorge Amado
Boletim de Ariel
R. Senador Dantas -- 40 -- 5.º
Rio.








Publicada por Ricardo António Alves, Anarquismo e Neo-Realismo -- Ferreira de Castro nas Encruzilhadas do Século (2002) e na 2.ª edição, refundida, de 100 Cartas a Ferreira de Castro (2006).

Nota - Grande documento, não apenas pela evidência do programa literário de Jorge Amado, como pelo que revela da influência que Ferreira de Castro tinha junto dos jovens escritores nordestinos brasileiros, cuja repercussão na geração neo-realista portuguesa é consabida. Castro e Amado começaram a
corresponder-se neste anos de 1934, mas só travariam conhecimento pessoal em 1948, em Paris, quando o autor brasileiro, então um activo militante comunista. teve de exilar-se. Essa amizade manteve-se e fortaleceu-se ao longo das décadas, tendo, por várias vezes e em diversas situações Jorge Amado evocado Ferreira de Castro, comovidamente. Das evidências dessa forte relação, basta lembrar que o o autor de A Selva é o autor português mais referido em Navegação de Cabotagem, as memórias de Jorge Amado.
Ferreira de Castro viria a ser um dos dedicatários de Jubiabá (1935), um dos romances mais marcantes de Amado.

quarta-feira, 20 de abril de 2016

Lisboa, 3 de Abril de 1936: Viana da Mota a Fernando Lopes-Graça


Lisboa 3 de Abril 1936

Meu caro Senhor Graça

O Prado demorou imenso tempo a entrega das suas composições, depois levou ainda bastante tempo a encontrar o Sassetti, por isso só hoje lhe venho participar o que consegui do Sassetti.
Está pronto a editar as suas Variações, pelo gosto de ter nas suas edições uma obra sua, mas diz que o retraimento crescente do público não lhe dá esperança de cobrir as despesas de impressão. E que para obras vocais ainda a venda é mais resumida do que para o piano. Apesar da obrigação que incluímos no Conservatório de se apresentar uma peça portuguesa nos cursos superiores de piano e de canto a venda é limitadíssima porque os alunos emprestam uns aos outros os exemplares.
Sei que este resultado não corresponde ao seu desejo, entretanto aconselho-o a aceitar a proposta do Sassetti, pois, embora as Variações não dêem, no seu entender, o aspecto exacto da sua personalidade actual, não fica por elas mal representado, visto serem m.º características e pessoais.
Infelizmente o Sassetti não pode, atendendo às despesas de impressão e pouca probabilidade de venda suficiente, oferecer-lhe nenhuma comissão.
Diga-me para onde quer que lhe mande as peças de canto e a Cena e dança.
Com os melhores cump.os
            seu ded.º
J. VIANNA DA MOTTA

Não vi ainda a sua nota sobre os Nocturnos. Pode dizer-me em que n.º do Diabo ela saiu? M.º lho agradeceria.

in Fernando Lopes-Graça, Opúsculos (3). 



Nota - Viana da Mota (1869-1948) fora professor de Lopes-Graça (1906-1994) no Conservatório. O tema em apreço é o seu Opus 1, o extraordinário Variações Sobre um Tema Popular Português (1927). Eloquentíssima carta sobra as dificuldades da edição de partituras. Pedro do Prado (1808-1990), compositor, que com Lopes-Graça, Armando José Fernandes e Jorge Croner de Vasconcelos integrou o «Grupo dos Quatro».

sexta-feira, 18 de março de 2016

Lisboa, 2 de Janeiro de 1900: Teófilo Braga a João de Barros



Lisboa, 2 de Janeiro de 1900
Caro Poeta

Há já alguns dias que recebi o seu primeiro livro de poesias Algas -- tendo é certo lido logo e imediatamente. Leio sempre com curiosidades diversas as composições poéticas que me caem debaixo dos olhos; quando não acho conhecimento de forma, apelo para a originalidade ou a novidade da ideia; quando falha qualquer destes aspectos procuro ainda descobrir o temperamento ou organização do Poeta, que às vezes pode estar abafado pelas correntes batidas de um gosto dominante que o prejudique.
Só no fim deste inquérito é que deixo o livro ou a composição poética. O seu livro das Algas  também passou por este crivo; há ali conhecimento das formas, e há temperamento poético; e é muito, e por isso que promete largas esperanças é que não é já tudo. Para ir mais longe é questão da idade, que lhe há-de dar o contacto da realidade da vida, e de uma filosofia que dê ao seu espírito a visão universal.
Felicita-o com um abraço o seu
admirador e am.º At.º
Teófilo Braga
T. S. Gertrudes, n,º 70.






Publicada por Manuel de Azevedo, Cartas a João de Barros, Lisboa, s.d.


Nota - O velho, e então ainda idolatrado, positivista responde a um jovem poeta de dezanove anos, que acabara de publicar o primeiro livro, Algas, com palavras de apreço e encorajamento, não sem antes discorrer sobre o seu método de avaliação, eloquentemente enunciado... A forma benevolente e pedagógica como o faz -- em 1900, Teófilo era uma espécie de papa dos estudos literários -- é de assinalar. Algas, livro que tenho na minha pequena biblioteca, é uma meritória obra de estreia.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

1888: Oliveira Martins a Luciano Cordeiro


Meu querido Luciano

Vibrei, certamente, vibrei todo o dia ontem, lendo a sua primorosa obra. V. fez um milagre. Não queria escrever-lhe agradecendo-lhe o seu livro antes de o ler, e não o fiz logo porque o tinha emprestado ao Moniz Barreto para ele escrever o artigo que lhe pedi e V. já leu, decerto.
 O Repórter cumpriu o seu dever.
 O livro das Cartas que V. fez é verdadeiramente definitivo, não há nada mais a dizer.
V. esgotou a erudição e a crítica: não há que rebuscar nem que observar mais.
Está definido o caso patológico (?) e determinado o concurso de circunstâncias que se deu.
Receba pois V., meu querido Luciano, os meus mais cordiais parabéns e creia-me sempre -- Seu velho amigo, de uma amizade sempre moça.

Oliveira Martins





in Sóror Mariana Alcoforado, Cartas de Amor ao Cavaleiro de Chamilly, Porto, Editora Ausência

edição de Luciano Cordeiro [1888]


Nota - Oliveira Martins (1845-1890), director de O Repórter, agradece, com os maiores encómios, a Luciano Cordeiro (1844-1900), o envio de Sóror Mariana, a Freira Portuguesa (1888). Esta é a primeira de quatro cartas de homens públicos enviadas a Cordeiro, que sustentava tratar-se as Lettres Portugaises do punho de Mariana Alcoforado, o que continua a ser controverso.






terça-feira, 12 de março de 2013

20 de Junho de 1924: Jaime Brasil a Ferreira de Castro e Eduardo Frias

Meus caros Ferreira de Castro e Eduardo Frias:

Recebi o vosso livro. Muito obrigado por vos terdes lembrado de mim. A mim, q. tão afastado ando dos cenáculos literários e q. nas galés do jornalismo sou o último dos últimos, sensibilizou-me a vossa gentil manifestação de camaradagem espiritual. E porque entendo bem o altivo grito de angústia, erguido nas primeiras páginas do livro, aqui vos dou, irmãmente, o abraço q. traduz a minha admiração pelo vosso talento e a minha solidariedade nessa nobre revolta, contra o existente, o convencional, o medíocre.

cordialmente vosso
Jaime Brasil
6ª. Feira-20-Junho [1924]»



Cartas a Ferreira de Castro, Sintra, Câmara Municipal e Rede Portuguesa de Museus, 2006.
editor: Ricardo António Alves


Nota - Agradecendo A Boca da Esfinge, romance a quatro mãos, num tom muito característico. mesclado de camaradagem leal e amarga misantropia.