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sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Coimbra, 29 de Julho de 1858: Antero de Quental a sua mãe, Ana Guilhermina da Maia Quental

Coimbra 29 de Julho 1858.
     Minha querida Mamã.


     Depois de tantos trabalhos e sustos chegou finalmente o dia, em que dando um suspiro de alivo pude descansar sem cuidados; e por isso é que lhe escrevo debaixo da agradável impressão de ter feito os exames e de me achar habilitado com os exames de Instrução Primária, Francês, Latim, Lógica, Retórica, História e Geografia, Geometria, e Introdução aos três Reinos da Natureza, e apto para me matricular em qualquer Faculdade, a qual será a que o Papá e a Mamã escolherem.


     Estou pois muito contente, não só pelo facto em si, como também pela alegria que com isto terão todos os que por mim se interessam; e muito aliviado pois o fim do ano é o maior Cabrion que um pobre Estudante pode ter.

     Agora pois estou em Férias, e espero passá-las descansado, e lendo algum livro que possa instruir-me, sem contudo ter o peso da Ciência: agora que lancei a Ciência nas certidões, posso-me entregar um pouco aos meus passatempos favoritos de Literatura e Poesia: são estes os meus divertimentos nesta terra, e confesso que tem para mim milhares de atractivos, e que os prefiro a todos os outros.


     Agora estou eu fazendo uma pequena tradução em verso, e em estando pronta lha mandarei, visto que a Mamã tem a suma bondade de ler as minhas modestas rabiscas.


     Não sei se passarei aqui as férias: eu desejava ir uns 15 dias à Figueira, tomar banhos e passear, pois esta vida de Estudante não só é monótona e incómoda, mas também pode fazer mal sendo contínua: por isso mesmo é que se fizeram as férias, tempo de descanso: além disso o meu estado de saúde pede esta pequena viagem: não que eu tenha doença alguma grave, mas ando sempre com pequenos achaques tais como dor de cabeça, febre, constipação, etc. Já vê a Mamã que preciso espairecer, e mesmo os ares do mar fazem-me iludir um pouco, e transportam-me pelo pensamento aos belos e saudosos tempos que aí passei. Quem me dera já o ano que vem, para lá ir, como o Papá me prometeu: enfim será quando Deus quiser!


     Também lhe quero pedir um favor -- Daqui até Novembro, tempo em que começam as aulas, precisava ler alguns livros de Literatura filosófica, para não ir para a Universidade com os olhos fechados sobre este ramo das Letras, que é necessário pela relação íntima que tem com todos os outros: precisava pois comprar esses Livros, e é o favor que lhe peço, o pedir ao Papá que me mande dinheiro para eles, que, para os que por ora preciso, não será necessário mais que 5 ou 6 mil réis. Isto devia eu ter pedido directamente ao Papá, mas não sei que acanhamento me deu, que tenho vergonha de lho pedir, enquanto que à Mamã lho peço com mais confiança.

     Peço-lhe me recomende muito a todos; Manas, André, Prima Anica e Beza: a esta última peço lhe dê um abraço da minha parte.
Adeus minha querida Mamã
deite a sua benção ao seu
Filho muito obediente e amigo


Antero

Cartas I - edição de Ana Maria Almeida Martins

Nota - Antero tem dezasseis anos, e prepara a entrada na universidade. Uma carta repassada de ternura e doçura filial, obviamente não incompatíveis com o papel, tão truculento quanto salutar, de demolição -- que empreende a partir de Coimbra -- de um ambiente literário nacional medíocre e pegajoso, a que ninguém pôde ficar indiferente.  É esta pureza, parece-me, um dos alimentos da força quase titânica com que se atira ao reduto do compadrio e do elogio mútuo dos bonzos e pretendentes a tal. Castilho será feito em cacos.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

10 de Julho de 1849: Camilo Castelo Branco a José Barbosa e Silva

Ill.mº Amigo


O abraço, que se dignou transmitir-me, por via do nosso Carneiro, devo retribuir-lho, acompanhado destas quatro linhas fluentes e sem presunção, se tantas são bastantes para afiançar a V. S.ª o muito apreço em que tenho os seus favores.
Vai esse jovem enamorado mendigar-lhe as suas distracções: eu creio que lhe serão de grande proveito, e, porventura, de instrução, que ele parece desejar. Espero um dia para cumprir uma promessa. Os banhos de mar, que a Medicina empiricamente me aconselha, estorvam-me o maior número de outras ocupações: -- verdade é, que das mais gratas ao coração, já tenho cedido a beneplácito de uma espécie de sezão moral que me apoquenta.
Agradeço o empréstimo do livro.


Disponha do
De V. S.ª amigo verdadeiro
Camilo Castelo Branco

10 de Julho de 1849

Correspondência de Camilo Castelo Branco com os Irmãos Barbosa e Silva, vol. I, Lisboa, Livros Horizonte, 1984.
editor: Alexandre Cabral

Nota - Radicado em Viana do Castelo, José Barbosa e Silva, tal como o resto da família, foi um amigo dilecto de Camilo: amigo, confidente e auxiliador em momentos de aperto, como revelou o incansável Alexandre Cabral. Em baixo, uma carta inicial, ainda distante do aprofundamento dessa amizade. 

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

c. 1878: Ramalho Ortigão a sua mulher, Emília


Querida Emília  -- Pelo que me dizes na tua carta de que passa muita gente -- que passa tudo! -- na rua em que está a casa da mãe, vejo que o que fazes é estar à janela em vez de saíres à maneira do Porto. Isso é o hábito mais anti-higiénico, mais burguês e mais ordinário que há. Peço-te o obséquio especial de não frequentares a janela. As janelas fizeram-se para alumiar as casas, e arejá-las, não se fizeram para ter senhoras penduradas. À janela para quê? Para ver a vida alheia, para olhar para as vizinhas, para ver os vestidos? Isso é de criada de servir. Que as vizinhas façam o que quiserem, que as outras passeiem como lhes apetecer, e que se vistam como entenderem; nós não temos nada com isso. Senhora janeleira faz-se linguareira, invejosa, maldizente e ruim. Mulher de janela, ou pública ou tola. Ainda se é uma janela de onde se descobre o mar, as florestas, os acidentes de uma paisagem e o ar livre e puro, ainda se compreende. Mas na rua da Senhora da Luz ou de S. Bartolomeu! É indecente. Rogo-te a fineza de passeares, de ires para Carreiros, para a costa, para a praia, para a beira do mar. Dize à Júlia da minha parte que se quiser filhos robustos, os não tire nunca da areia. Lembra-te dos benefícios (?) de crianças que Michelet manda construir à beira-mar. Os pequenos não devem sair nunca da areia, mesmo da areia húmida, porque a humidade do mar não constipa nem produz reumatismos, cura-os. Os pequenos como devem andar nas praias é nus. Como se devem enxugar da onda é na areia quente pelo sol. Assim é que se criam os fortes, e se regeneram os homens. Quem o pode fazer e o não faz aos seus pequenos tem uma grande responsabilidade diante da higiene e da humanidade.
 Sai, sai, sai, sai, sai, sai, sai! é o que te digo com muitos abraços do teu amigo do C

RAMALHO




Ramalho Ortigão, Cartas a Emília, Lisboa, 1993.
(edição: Beatriz Berrini)

Nota - Carta que, escrita há quase 150 anos, não suscita grandes comentários, só o deleite da leitura da escrita cristalina da ramalhal figura (Eça de Queirós) e a mania que ele tinha da saúde, da higiene, do desporto.