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domingo, 28 de abril de 2019

Coimbra, 2 de Março de 1903: João de Barros a Teixeira de Queirós

Illmo. e Exmo. Senhor

Permita V. Excia. que eu, agradecendo-lhe muito a sua carta, procure justificar a ideia dos meus versos.
O que V. Excia. chama ironias volterianas são apenas argumentos -- os argumentos de que eu, poeticamente, podia e sabia usar e que não têm a mais leve intenção irónica. Não encontrei outro modo de provar a humanidade  da Virgem Maria, isto é, de destruir o fundamento evangélico do símbolo, que é, na verdade, mt.º belo, mas que me parece não representar já, não resumir uma aspiração dos homens; e que, por isso mesmo, é falso. Penso que a Vida, cuja concepção é cada vez mais larga e menos mística, requer novos símbolos. E que ajudar a destruir os antigos é ajudar o progresso, ou antes, é ser levado por ele.
Efectivamente a tendência para significar no vivo palpável o que existe no nosso vivo impalpável, como V. Ex.ª diz, ou para a materialização dos símbolos, é inseparável e natural do espírito humano; mas é preciso que desapareçam as antigas imagens para dar lugar às novas, às que merecem a adoração dos homens de hoje, às que representem os novos símbolos -- a não se acreditar num futuro em que elas se tronem inúteis pela maior perfeição moral da humanidade.
Não falo das desastrosas consequências práticas que tem dado a crença na Virgindade de Maria. Foram elas, no entanto, que inspiraram os meus versos.
Enquanto à poesia deste símbolo, o meu espírito -- por incompleto, certamente -- não a reconhece como actual, como tema que ainda possa dar vida a composições poéticas. O Soneto de Antero é muito bom; mas parece-me mais dirigido à Mãe dos Pecadores, à Senhora dos Aflitos, que propriamente à Virgem.
Perdoe V. Excia. a minha franqueza. É possível, é natural até, que me engane; mas disse a opinião a que cheguei pelo que tenho lido e pensado; opinião que, se não tem valor nenhum ou é errada, teve no entanto o merecimento de me valer a sua boa carta.
Subscrevo-me, com todo o respeito.

1903-III-II
Coimbra

De V. Excia.
Admirador e Amigo Mtº Reconhecido
João de Barros


nota - resposta a esta carta. Publicada por Manuela de AzevedoCartas a João de Barros, Lisboa, Livros do Brasil, s.d. Segundo a editora, o poema em apreço terá sido publicado em Caminho do Amor (1904).

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Lisboa, 9 de Março de 1903: Teixeira de Queirós a João de Barros

Lisboa, 9-3-1903

Meu amigo:

Agradeço-lhe a oferta da sua poesia À Virgem, que acho excelente como composição poética. Porém, não concordo com o seu fundamento filosófico que é dum volterianismo hoje fora de moda. Ou se acredita ou não no que dizem os evangelistas e doutores da Igreja acerca de Maria, o que é ponto secundário. Este belo símbolo que não é somente católico tem um grande interesse poético, considerado na sua pureza. Inúmeros poetas, que se não podem dizer fanáticos pelo espírito religioso o têm respeitado na sua pureza e na sua bela castidade. Antero de Quental é um deles, como sabe. Que belo soneto À Virgem Santíssima!
As ideias religiosas, os símbolos religiosos têm para nós a grandeza de criações do espírito humano e devem ser respeitados como tais. Certamente que não foram inventados para enganar mulheres dementes nem homens sem critério, ainda que as igrejas de todas as religiões se tenham servido deles com esse fim. A lenda da Virgem Maria é encantadora como símbolo poético e é-o para mim principalmente pela sua virgindade, pela sua castidade, que lhe dá um ar elevado e puro, livre das contingências e materialidades. Quanto à adoração das imagens foi o próprio Cristo que o condenou aos fariseus, mas esta materialidade também é uma tendência poética do nosso espírito: -- significar no vivo palpável o que existe no nosso vivo impalpável. Toda a escultura e pintura é isto. De modo que achando inscritos versos felizes na sua poesia, não concordo com as suas antigas ironias volterianas à Virgem, e principalmente à castidade deste símbolo.
Seu amigo



Nota - Publicada por Manuela de Azevedo, Cartas a João de Barros, Lisboa, Livros do Brasil, s.d. Carta interessantíssima Teixeira de Queirós (1849-1919) ao seu futuro genro João de Barros (1881-1960), tanto mais interessante por vir de um veterano escritor naturalista a defesa do valor e beleza simbólicos do dogma da virgindade mariana. Terá resposta.

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Espinho, 8 de Dezembro de 1904: Manuel Laranjeira a João de Barros

   
  Ex.mo Sr. João de Barros



     Perdoe-me não ter desde logo respondido à sua carta, ao menos para agradecer-lhe a amabilíssima oferta do seu livro.
     Mas foi-me impossível, organicamente impossível. Eu poderia dizer como aquele doutor Rank do drama de Ibsen «que sou o mais miserável dos meus doentes», tanto me sinto vítima dos meus pobres nervos enfermos.
     Há quinze dias quase, que vou atravessando penosamente uma crise de tempestades íntimas que me inutilizam para o trabalho.
     Várias vezes tentei copiar o fragmento do estudo que lhe prometi para a sua revista.* Mas tive de abandoná-lo logo com repugnância invencível -- uma verdadeira fobia. O que me consola é a certeza de que V. Ex.ª nada perde com isso.
      Contudo, numa hora de sobreexcitação, depois duma noite memorável para mim em que vi Mounet-Sully representar o «Édipo-Rei», fiz o artigo que lhe envio e que poderá publicar na sua revista, se merecer a pena disso. Se nada lucra V. Ex.ª com a troca, nada perde com a perca.
     Se lhe não custar, envie-me as provas para eu rever. É um grande favor. No meu desleixo dessas coisas, tenho sido castigado, pois tenho visto mutilados, defeituosos, artigos meus -- lástima que só eu sinto, porque são meus, mas que eu sinto deveras, com uma aflição... paternal.
     E para o próximo número, se este estado delicioso em que estou não continuar, mandar-lhe-ei o fragmento do estudo prometido.
     Ainda não li o seu livro. As próximas horas de boa disposição que eu tenha serão para o ler.
     Contudo, estou antecipadamente certo que as referências que Sílvio Rebelo me fez de V. Ex.ª, não eram lisonjeiras, se não justas.
     Limitando-me por agora a agradecer-lhe muito e muito a sua gentilíssima oferta, subscrevo-me

     Espinho, 8 de Dezembro de 1904.

De V. Ex.ª
com toda a consideração
Cr.º sem préstimo

Manuel Laranjeira


Nota - Um estado depressivo aos 27 anos (só iria viver mais oito).




segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

6 de Janeiro de 1909: Maria Amália Vaz de Carvalho a João de Barros

6-I-1909

     Meu bom amigo

     Venho agradecer-lhe mt.º e mt.º o seu belo livro que li com imenso interesse. Sem concordar inteiramente com as doutrinas ali expostas achei um grande prazer intelectual em ver o modo como as expunha.
     O seu sonho de educação integral tem para nós um defeito... o de ser mt.º caro!
     Uma amiga minha que deixou agora o filho no colégio Des Roches pagou 900$000 adiantados por um ano!
     Imagine o belo pai de família português, burocrata (em Portugal não há senão burocratas) e tendo 12 filhos (em Portugal ninguém que se preza tem menos de 12 filhos) e suponha-o educando os seus filhos num colégio assim, e triando-os de lá sabendo de tudo um pouco, mas não tendo capacidade de entrar na gloriosa carreira do Pai por falta de diplomas legais! Que horrível desastre!
     Nós temos de criar uma educação nossa. Não a sonhada pelos utopistas da Grécia, não a imaginada pela fantasia humanitária de Rousseau, nem pelo amoralismo implacável do seu Nietzsche mas adaptada ao triste meio que só um século de trabalho incessante poderá ir lentamente modificando.
     Que haja mt.os professores como o meu caro João de Barros e com certeza essa modificação para melhor será mais rápida.
     Mas onde é que eles estão?
     Muitos parabéns, apesar destas divergências que desculpará a uma velha amiga que já leva em tarefa de educar filhos sem pai, pelo seu livro que é mais uma luminosa afirmação de tranbalho, de talento e de devoção ao seu duro ofício de ensinar.
     Sua amiga mt.º grata
e sincera adora

M.ª Amália
     Um abraço à Raquel


Cartas a João de Barros, Lisboa, Livros do Brasil, s.d.
(edição: Manuel de Azevedo)
    
     Nota - Debate breve entre dois pedagogos, cujas idades se distanciavam em 34 anos (Maria Amália era de 1847; Barros, de 1881), a propósito do livro deste, A Escola e o Futuro (1908)

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Espinho, 3 de Maio de 1903. Manuel Laranjeira a João de Barros

Ex.mº Sr. João de Barros:

     Só agora posso responder à sua segunda carta. Perdoe-me. Não foi por desmazelo meu. Razões de família apenas. Creia-me e perdoe-me.
     Deixe-me dizer-lhe: eu compreendo os íntimos motivos que o levaram a dar-me esclarecimentos sobre a tal carta. Bem que desnecessária para mim, que me prezo de nunca alicerçar opiniões sobre areia, essa explicação compreendo-a. Eu teria procedido igualmente, presumo.
     É que nós vamos atravessando tempos difíceis, em que cada um que preze a sua honestidade sente precisão de definir a sua atitude, para não ser confundido com as biltres trivialidades que para aí fervilham. Só as nulidades morais se não estimam -- ...ou estimam-se no seu valor real, que é nenhum. Eu teria feito o mesmo, repito. Porque V. Ex.ª não é meu amigo, como eu não sou de V. Ex.ª -- para que qualquer de nós tivesse uma fé desabalada na lealdade de carácter do outro. Nós conhecemo-nos apenas. Sabemos um do outro só aquilo que um outro amigo nos fez saber. Comigo, pelo menos, o facto dá-se assim. E apesar de as melhores informações que tivéssemos um do outro, apesar até de alguma simpatia que espontaneamente pudéssemos ter um pelo outro -- um resíduo de dúvida era permitido sempre, sem que nela houvesse ofensa. Por isso a sua carta não foi importuna. Antes foi....................... -- Mas não acha V. Ex.ª que não vale a pena estar a perder tempo com uma tão insignificante insignificância? Para mim, a tal carta não significou mais do que um espirituoso xeque-mate, espirituosamente dado na erudição vaidosamente paleográfica do meu amigo. Olhe: peço-lhe que faça como eu: não pense mais nela.
     E para findar: dá-me V. Ex.ª um sumo prazer em continuar a importunar-me.
     Pelo que me subscrevo de V. Ex.ª inútil criado

Espinho, 3 de Maio de 1903.

Manuel Laranjeira






Cartas de Manuel Laranjeira, Lisboa, Relógio d'Água, s.d.
editor: Ramiro Mourão (19439

Nota - Desconheço o motivo da carta (a edição é nula a este respeito), porém percebe-se a chã frontalidade de Laranjeira, essencial para prevenir futuros quiproquós, e nesse aspecto a limpidez da missiva é evidente.

terça-feira, 31 de maio de 2016

Espinho, 12 de Março de 1905: Manuel Laranjeira a João de Barros



Ex.mo Sr. João de Barros:




Um número da sua revista, que me chega agora à mão, veio bruscamente lembrar-me que lhe sou devedor de tanta coisa prometida! e devedor que se está comportando dum modo bem singular.
Peço-lhe que me creia: eu não tive o mais leve intuito em desconsiderá-lo com o meu silêncio e nem sequer tive o intuito a furtar-me a pagar-lhe o que lhe prometi e devo. Isto em mim agora não é alijar uma responsabilidade de mau pagador: é a verdade. Se me conhecesse intimamente estou certo que V. Exª. não só explicaria e perdoaria o meu silêncio amigo (numa significação bem diferente duma cursilería que para aí se chama amizade). Todos nós temos, dormitando no fundo do nosso ser, o nosso demónio (até Antero e Sócrates, que foram integrais como deuses, tinham cada um o seu) a que a psiquiatria de agora chama insultuosamente neurastenia, nevrose, psicastenia... -- e que sei eu? Quando um demónio desperta e reivindica os seus direitos ferocíssimos (ferocíssimos para o nosso pobre ser que tem de sofrê-los) nós esquecemo-nos de tudo -- até de pagar o que devemos. Exponho-lhe estas coisas íntimas e lastimosas, porque estou certo de que me dirijo a um espírito capaz de as compreender. Doutro modo, se, em vez de tratar de si, se tratasse duma criatura vulgar como a abjecção da vida, creia: eu prolongaria indefinidamente o meu silêncio... -- et je m'en foutrais.
Eu desejava dizer-lhe muitas coisas sobre a sua magnífica plaquette dramática (dramática, não; lírica, bela e intensamente lírica); mas teria de ser longo e maçador. Sendo-lhe a si (devendo ser-lhe!) demais a mais indiferente a minha opinião sobre o valor artístico dela. De resto, uma opinião, boa ou má, seja de quem for, sobre uma obra de arte, não a desnivelará uma linha sequer do lugar justo que o seu valor real lhe marcou. Ninguém, nem Deus (refiro-me a Deus num sentido metafórico!), seria capaz de anular um átomo ao valor da obra shakespeariana, ou de pôr um átomo de génio nos medíocres furtos do Sr. J. D. Uma obra é o que é -- diga-se dela o que se disser. A crítica é apenas um comentário que traduz uma impressão ou uma análise: pode explicar a obra de arte, mas nunca validá-la ou invalidá-la. Nestes termos, a crítica, para o autor da obra de arte, não é lisonjeira, nem agressiva: é indiferente (deve sê-lo!). Por isso não estou a massacrá-lo com a minha admiração.
E quando solverei eu a grande dívida de enviar-lhe o artigo prometido?
Quando o meu demónio deixar.

Espinho, 12 de Março de 1905.
Criado sem préstimo
M.to Ob.do e Admirador

Manuel Laranjeira






Cartas (edição de Ramiro Mourão, 1943)

Nota - Carta extraordinária de um espírito brilhante e torturado. Por um lado, pela forma como se expõe a João de Barros na sua assustadora (sabêmo-lo suicida) vulnerabilidade; por outro, no seu agudíssimo conceito sobre a recepção literária e as suas óbvias fragilidades. A revista referida é Arte e Vida, dirigida pelo destinatário; "J. D." -- trata-se, evidentemente, de Júlio Dantas.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Lisboa, 2 de Janeiro de 1900: Teófilo Braga a João de Barros



Lisboa, 2 de Janeiro de 1900
Caro Poeta

Há já alguns dias que recebi o seu primeiro livro de poesias Algas -- tendo é certo lido logo e imediatamente. Leio sempre com curiosidades diversas as composições poéticas que me caem debaixo dos olhos; quando não acho conhecimento de forma, apelo para a originalidade ou a novidade da ideia; quando falha qualquer destes aspectos procuro ainda descobrir o temperamento ou organização do Poeta, que às vezes pode estar abafado pelas correntes batidas de um gosto dominante que o prejudique.
Só no fim deste inquérito é que deixo o livro ou a composição poética. O seu livro das Algas  também passou por este crivo; há ali conhecimento das formas, e há temperamento poético; e é muito, e por isso que promete largas esperanças é que não é já tudo. Para ir mais longe é questão da idade, que lhe há-de dar o contacto da realidade da vida, e de uma filosofia que dê ao seu espírito a visão universal.
Felicita-o com um abraço o seu
admirador e am.º At.º
Teófilo Braga
T. S. Gertrudes, n,º 70.






Publicada por Manuel de Azevedo, Cartas a João de Barros, Lisboa, s.d.


Nota - O velho, e então ainda idolatrado, positivista responde a um jovem poeta de dezanove anos, que acabara de publicar o primeiro livro, Algas, com palavras de apreço e encorajamento, não sem antes discorrer sobre o seu método de avaliação, eloquentemente enunciado... A forma benevolente e pedagógica como o faz -- em 1900, Teófilo era uma espécie de papa dos estudos literários -- é de assinalar. Algas, livro que tenho na minha pequena biblioteca, é uma meritória obra de estreia.

quarta-feira, 2 de março de 2016

Figueira da Foz, 26 de Junho de 1926: o Visconde da Marinha Grande a seu filho João de Barros

Figueira, 26-6º-1926


Meu querido João

Obrigado pela tua pronta resposta à minha precedente carta, e oxalá que o teu optimismo se realize, mas as prisões já começaram!... Cautela meu João!
E conta sempre comigo para tudo (que não poderá ser muito) que eu possa fazer.
Beija os meus queridos netos e querida Raquel, e a ti, beijo-te
                                                                   e abraço-te de todo o meu coração

                                                                                     Afonso

Faz favor de dar à irrequieta Teresa o papelinho junto e ela que entregue ao [..?]






Publicado por Manuela de Azevedo, Cartas a João de Barros (s.d.), que escreve: «A ternura com que ele se exprime só a um filho muito merecedor se confessa.»


Nota - Testemunho maravilhoso de amor paternal dum velho de 90  anos -- Afonso Ernesto de Barros (1836-1927) ao seu mais do que adulto filho.  João de Barros (1881-1960) fora uma personalidade influente na I República, um dos nomes do ímpeto político do incremento da Instrução Pública que caracterizou essa fase da vida do país, e também ministro dos Negócios Estrangeiros.  Era também um importante poeta, cujo percurso se iniciara ainda durante o regime monárquico. Com o golpe militar de 28 de Maio de 1926, a situação pessoal complicava-se, e seu pai, o Visconde da Marinha Grande, dava conta das suas preocupações.A "irrequieta Teresa" virá a ser mulher de Marcelo Caetano.