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segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

4 de Fevereiro de 1949: José Magalhães Godinho a Marcelo Caetano

4 de Fevereiro de 1949

Exm.º Sr. Prof. Dr. Marcelo Caetano:

     Acabo de ler no Diário Popular de ontem passos de uma entrevista concedida por V. Ex.ª ao Jornal do Funchal e, entre eles, leio uma referência directa à minha pessoa. É quando V. Ex.ª, referindo-se aos socialistas portugueses, declara: «Nunca foram, em Portugal, um partido poderoso e acham-se hoje divididos em duas correntes, como na Itália; uma, a do Sr. Dr. Ramada Curto, que não quer entendimentos nem aproximações com os comunistas, e outra, a do Sr. Dr. Magalhães Godinho e outros, favorável à colaboração com o comunismo, não sei mesmo se à fusão com o Partido Comunista.» Confesso que estas declarações de V. Ex.ª me deixaram estupefacto e indignado. Como pode V. Ex.ª assegurar que eu seja dirigente socialista e que eu pense desta ou daquela maneira, se nunca comigo teve qualquer conversação de natureza política, e se nunca eu fiz quaisquer declarações de natureza partidária? Eu sou republicano e, além disso, estou de acordo com a doutrina socialista, mas não sou dirigente de nenhum partido socialista e muito menos orientador de qualquer corrente para que possa afirmar-se a existência de socialistas do Dr. Magalhães Godinho e outros, tal como se os homens que pensam de determinada forma fossem propriedade deste ou daquele homem. Não sei o que o Sr. Dr. Ramada Curto pensa, e como não sou como V. Ex.ª, não me deito a adivinhar. V. Ex.ª, não sabendo o meu pensamento, não tinha o direito de referir o meu nome, em circunstâncias, mais a mais, que até permitem pensar-se na deselegância de uma denúncia. Mais, para que V. Ex.ª não faça mais confusões, sempre lhe direi que, não sendo comunista, não posso advogar fusões com o Partido Comunista, de cujos métodos políticos me acho totalmente afastado. O que por vezes tenho dito, ainda que só em conversas com amigos, é que entendo ter todo e qualquer partido político direito de viver à clara luz do dia, dentro dos preceitos que uma lei, igual para todos eles, estabeleça quanto à sua organização e funcionamento. Entendo, até, que todos os partidos políticos deviam ser constitucionalizados, a todos se consentindo a sua vida e propaganda dentro da mais perfeita legalidade, e desde que nenhum dele enverede pela propaganda da violência e da sublevação. É nesta ordem de ideias que, também, apesar de republicano, admito, em plena república, a existência de um partido monárquico; que, apesar de democrata, admito a existência de um partido que defenda o programa da União Nacional, ou de qualquer outro organismo político que defenda outro programa ou ideologia. E digo mais a V. Ex.ª que tenho para mim como certo que, no dia em que for consentida livremente, em Portugal, a associação em partidos políticos diferenciados, o Partido Comunista deixará de ter aquela importância que só o Estado Novo lhe tem dado e deixará de poder continuar a servir de papão como até agora tem servido na propaganda dos situacionistas. Porque não sou comunista, também eu quero combater a ideologia comunista, não me interessando de nenhum modo combater as pessoas comunistas, porque só as ideias e não os homens eu julgo que merecem ser combatidas ou seguidas. Não sei se há ou não comunistas apoiando a candidatura do Sr. General Norton de Matos, sei, porque nesse sentido houve pública declaração de pessoa responsável, que a Causa Monárquica apoia o candidato da União Nacional, e nem por esse facto eu posso ou devo concluir que a União Nacional queira restaurar a monarquia em Portugal, ou queira a sua fusão com a Causa Monárquica. Aqui tem V. Ex.ª, o que entendo dever, respondendo às afirmações atribuídas a V. Ex.ª, dizer-lhe, em reacção e protesto a essas mesmas afirmações.
     Reservo-me o direito de fazer desta carta o uso que melhor entender.
     Sem mais, sou

De V. Ex.ª com a devida consideração

José Magalhães Godinho, «Correspondência em 1949 com Marcelo Caetano»
Pela Liberdade, Lisboa, Alfa, 1990.



Nota - Primeira de um conjunto de cinco cartas trocadas entre ambos (três de Godinho, duas de
Marcelo), bem revelador, não apenas do ambiente político que se vivia em 1949, estando prestes a fechar-se a abertura empreendida por Salazar na sequência da vitória dos Aliados, que permitiu a constituição do Movimento de Unidade Democrática (MUD) -- que congraçava todas as correntes oposição: republicanos, socialistas, comunistas, anarquistas, monárquicos -- e cujo canto do cisne será a malograda candidatura de Norton de Matos, sem falar nas perseguições movidas aos aderentes ao MUD, cujas listas foras desastradamente parar às mãos do estado. A sequência é muito boa. 


domingo, 5 de novembro de 2017

1972: Ferreira de Castro ao director do «Notícias de Chaves»


Senhor Director:

     Chamaram a minha atenção para um artigo publicado no «Notícias de Chaves», onde Aquilino Ribeiro e eu somos acusados de termos agredido, em romances nossos, o concelho de Montalegre.
     Creio que se trata de dois fortes equívocos. Que eu saiba, o grande Aquilino nunca escreveu livro algum sobre aquela região e, no meu romance «Terra Fria», pratiquei um acto de solidariedade humana com o povo de Barroso, então completamente abandonado ao seu destino. Uma solidariedade que me exigiu alguns sacrifícios, diga-se sobriamente de passagem.
     E assim me parece que só quem não souber ler ou não souber compreender a intencionalidade do que lê poderá tomar como agressão uma obra de profundo amor pelo nosso semelhante.
     Como este não é o caso do articulista*, penso que as suas palavras são consequência duma leitura apressada. De todas as maneiras, considero-as injustas e se ele tiver ainda alguma dúvida, que leia o prefácio da edição especial da «Terra Fria», publicada em 1966.
     Julgo, aliás, e outras pessoas julgam também, inclusive categorizados transmontanos,, que o meu romance, sobretudo por haver sido publicado com ilustrações em rodapés de «O Século», antes de sair em livros, contribuiu para algum progresso que se tenha dado desde essa época, numa terra de tão belos aspectos e num povo boníssimo, que bem mereciam melhor sorte e que os detentores do poder pareciam ignorar inteiramente.
     Com antecipados agradecimentos pela publicação desta carta, envio-lhe, sr. director, as minhas saudações corsiais.

Ferreira de Castro 





in Barroso da Fonte, Diálogo com Ferreira de Castro -- A Propósito do Romance Terra Fria, Braga, Editora Pax, 1973.

Nota - Parece que causou controvérsia a questão do adultério da protagonista de Terra Fria (1934) na então longínqua Padornelos. Ao contrário do que pode parecer, a paciência de Castro foi infinita, em face dos pundonores (provincianos) desgravados.

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Espinho, 3 de Maio de 1903. Manuel Laranjeira a João de Barros

Ex.mº Sr. João de Barros:

     Só agora posso responder à sua segunda carta. Perdoe-me. Não foi por desmazelo meu. Razões de família apenas. Creia-me e perdoe-me.
     Deixe-me dizer-lhe: eu compreendo os íntimos motivos que o levaram a dar-me esclarecimentos sobre a tal carta. Bem que desnecessária para mim, que me prezo de nunca alicerçar opiniões sobre areia, essa explicação compreendo-a. Eu teria procedido igualmente, presumo.
     É que nós vamos atravessando tempos difíceis, em que cada um que preze a sua honestidade sente precisão de definir a sua atitude, para não ser confundido com as biltres trivialidades que para aí fervilham. Só as nulidades morais se não estimam -- ...ou estimam-se no seu valor real, que é nenhum. Eu teria feito o mesmo, repito. Porque V. Ex.ª não é meu amigo, como eu não sou de V. Ex.ª -- para que qualquer de nós tivesse uma fé desabalada na lealdade de carácter do outro. Nós conhecemo-nos apenas. Sabemos um do outro só aquilo que um outro amigo nos fez saber. Comigo, pelo menos, o facto dá-se assim. E apesar de as melhores informações que tivéssemos um do outro, apesar até de alguma simpatia que espontaneamente pudéssemos ter um pelo outro -- um resíduo de dúvida era permitido sempre, sem que nela houvesse ofensa. Por isso a sua carta não foi importuna. Antes foi....................... -- Mas não acha V. Ex.ª que não vale a pena estar a perder tempo com uma tão insignificante insignificância? Para mim, a tal carta não significou mais do que um espirituoso xeque-mate, espirituosamente dado na erudição vaidosamente paleográfica do meu amigo. Olhe: peço-lhe que faça como eu: não pense mais nela.
     E para findar: dá-me V. Ex.ª um sumo prazer em continuar a importunar-me.
     Pelo que me subscrevo de V. Ex.ª inútil criado

Espinho, 3 de Maio de 1903.

Manuel Laranjeira






Cartas de Manuel Laranjeira, Lisboa, Relógio d'Água, s.d.
editor: Ramiro Mourão (19439

Nota - Desconheço o motivo da carta (a edição é nula a este respeito), porém percebe-se a chã frontalidade de Laranjeira, essencial para prevenir futuros quiproquós, e nesse aspecto a limpidez da missiva é evidente.