6 de Março de 1940.
Villa Angello,
rue Saraspe,
Biarritz (B. P.)
Meu querido Câmara Reis,
Prometi-lhe há tempos enviar para a revista colaboração que pudesse substituir certa relação de viagem acidentada, que V. desejava dar à publicidade. Só hoje o faço. E não estranhe. Tenho ultimamente tido uma vida de trabalho muito intenso, a que me obrigam as necessidades materiais e compromissos literários de vária espécie.
Uma circunstância, alheia ao meu alvedrio, permite satisfazer os seus e os meus desejos. É o caso que o meu amigo António Fróis antes de partir para Helsinki, onde foi pôr-se ao lado dos finlandeses (este não se nega a combater na Finlândia...), e na previsão de qualquer desenlace desastroso, deixou nas minhas mãos um grande número dos seus poemas, confiando-me também o encargo de os publicar, se o considerasse oportuno.
Envio-lhe, pois, duas poesias suas, deixando por minha vez ao seu critério a resolução de as publicar ou não, conforme lhe parecer. O meu Amigo verá se as suas poesias não destoam muito do estilo das novas escolas portuguesas. António Fróis é aquilo a que poderíamos talvez chamar um clássico, um anacrónico dr. António Ferreira, quando referido ao nosso tempo, de tão altas novidades. A mim, cego talvez pela amizade, afigura-se-me, que elas não seria de todo indignas das colunas da Seara. Se o seu parecer não for diferente, o meu Amigo poderia publicar um dos poemas -- «Regresso ao Caos e Ressurreição» -- em quatro ou em dois número da revista -- "Andrómada e o dragão" -- em outro. Se acaso, hipótese que a minha modéstia de amigo dificilmente admite, as poesias que lhe parecessem de interesse, eu poderia enviar-lhe outras mais. E no caso afirmativo permitia sugerir-lhe que o meu querido Câmara Reis fizesse uma pequena tiragem à parte -- que sei eu? -- dalguns cem exemplares que poderia servir de homenagem àquele combatente pela liberdade dos povos oprimidos.
Uma condição imponho à sua amizade, se aceitar a publicação dessas poesias, a de esconder inteiramente a origem delas, isto é, o nome do intermediário que lhas comunica.
A par disto envio também um artigo meu, que aliás já foi impresso há alguns meses numa revista do Rio -- "O observador económico" --. Como se trata duma revista estrangeira e de especialidade, esse pequeno estudo, intitulado "Homo", é certamente totalmente desconhecido dos leitores da revista. Repito em relação a ele o que disse para as poesias do Fróis: se lhe parecer dalgum interesse, rogo-lhe que o publique. Como actualmente colaboro bastante em jornais e revistas brasileiras, poderei de quando em quando enviar-lhe alguns desses artigos, ainda que tenha na intenção enviar também artigos originais e inéditos.
E agora um pedido: como não é prático, nem viável enviar-me as provas dos manuscritos que lhe envio, rogo-lhe o obséquio de as corrigir com o maior cuidado, se acaso publicar alguns deles.
Os manuscritos seguem em pacote registado. Peço-lhe que acuse a recepção e diga da sua justiça.
E para terminar novo pedido: VV. editaram aí, entre outras coisas, um livro que me interessaria muito ler: o "Fernão de Magalhães" do V. da Lagoa. Reparo, não obstante que o preço é excessivamente caro para as minhas posses. Não poderia V. arranjar-me uma redução de preço, que me permitisse obtê-lo? Isto sem falar dos volumes do Proença que a Seara igualmente publicou. Rogo-lhe me responda também a isto.
Um grande abraço do velho amigo, sempre fiel às velhas amizades,
Jaime Cortesão
13 Cartas do Cativeiro e do Exílio (1940), Lisboa, Biblioteca Nacional, 1987
(edição de Alberto Pedroso)
Nota - Cortesão faz-se intermediário dos poemas de António Fróis, que outro não era que não ele mesmo. E, de acordo com Alberto Pedroso, o próprio Câmara Reis, director da Seara Nova pensava tratar-se de alguém de carne e osso, de armas na mão na Guerra Russo-Filandesa. Refira-se que o historiador estava no exílio, tendo integrado o grupo de republicanos em fuga pelos Pirenéus, após a vitória de Franco na Guerra Civil de Espanha.
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