quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

1872: Oliveira Martins a João Lobo de Moura

Meu caro Lobo.

Você que para ser D. João de Castro só lhe falta o ter nascido no século XVI, V. que na índole, no temperamento, no gesto e na fisionomia, tem marcado o carácter guerreiro antigo do Portugal conquistador, V. -- estou certo -- há-de compreender o sentimento deste livro que lhe mando. Se Portugal não pode hoje conquistar Cacilhas, porque -- ai de nós! ela não é moira; é necessário que quando nos voltamos para o passado, possamos sentir a alma, porque ele vivia para o compreendermos; de outra forma a história torna-se ou uma cronologia muda, ou, o que é talvez pior, a justaposição de fonomonalidades animais.
Diga-me francamente, meu caro Lobo, se encontra nos Lusíadas em mundo português antigo, fenómeno histórico que morreu para não ressurgir, em Portugal, para onde V. gosta de voltar-se tanto esses homens cuja vida, cujas crónicas  o entretêm, o impressionam.
Além do sentimento, meu caro Amigo e com ele e por ele, V. é de toda a nossa antiga roda de Lisboa a pessoa que mais conhecia o Portugal descobridor-conquistador, pelos caracteres, pelos ditos, pelos poemas. V. portanto é o melhor juiz para o meu livro.
Senti não poder ler-lho manuscrito: aí vai impresso. Julgue-o e mande-me a sentença.
Entretanto e sempre, creia-me meu caro amigo

Seu do C.

Oliveira Martins

Eu vivo:
Estación de Almadén. Minas de Santa Eufémia -- España.



Nota - Publicado por Francisco d'Assis Oliveira Martins, Correspondência de J. p. Oliveira Martins, Lisboa, Parceria A. M. Pereira, 1926.  Os Lusíadas -- Ensaio Sobre Camões e a Sua Obra (1872), refundido em 1891, sob o título Camões, Os Lusíadas e a Renascença em Portugal. Trata-se do segundo livro de OM, depois do romance histórico Febo Moniz (1867), e o seu primeiro ensaio historiográfico; talvez por isso a carta denote uma ansiedade por ouvir a opinião dos pares (pediu também parecer a António Enes e provavelmente a outros.).



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